Sistema de pagamento de tributos no momento da liquidação pode impactar fluxo de caixa, defendem tributaristas
Por Bárbara Mengardo
Temendo impactos no fluxo de caixa, aumento dos custos e dificuldades concorrenciais, especialistas defendem que o split payment, sistema que permitirá a segregação dos tributos no momento da liquidação financeira da operação, seja aplicado apenas em casos específicos, como setores com histórico de sonegação. O tema foi tratado no painel de abertura do XIV Encontro Regional Latino-Americano da International Fiscal Association (IFA Latam), que acontece no Rio de Janeiro entre 25 e 27 de junho.
Especialista em tributação internacional, o professor da Universidade de Santiago Compostela Cesar Garcia Novoa salientou que não há similar na Europa ao split payment como alinhavado pelo governo brasileiro para o período pós-reforma. Em sua opinião, o único sistema europeu “acabado” de split payment é o italiano, porém a sistemática está limitada a operações que envolvam a administração pública. Além disso, no caso do país, não há a intermediação de instituições financeiras.
Para Novoa, assim como no caso italiano, o split payment deve ser restrito a situações em que há o risco de fraude. “A doutrina do Tribunal [de Justiça] da União Europeia é muito clara: as medidas antifraude só são possíveis à medida que são proporcionais”, disse.
No Brasil, o split payment é tratado no PLP 68/2024, que regulamenta a reforma tributária e deve ter relatório apresentado na próxima semana. A expectativa é de análise da proposta na Câmara entre 10 e 12 de julho. O sistema prevê que, na liquidação financeira da operação, ocorra a segregação do valor dos tributos, com envio dos valores aos respectivos entes. Além disso, haverá a compensação de eventuais créditos que os contribuintes possuam.
O advogado Gustavo Brigagão, presidente honorário da Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF), concorda que, sendo necessária a aplicação do split payment, a melhor opção é que ele seja limitado a setores de “alto risco”. Para o tributarista, é preciso “direcionar o split payment para aqueles setores que reconhecidamente não pagam tributo”.
Segundo Brigagão, pela exigência de pagamento do tributo a cada operação, o split payment aproxima todas as operações do tratamento despendido aos devedores contumazes no Brasil. “A nova legislação está tratando todos os contribuintes brasileiros como hoje a legislação em vigor trata os devedores contumazes. Somente para eles [contumazes] temos uma incidência de tributos que se dá em cada operação”, afirmou.
Para o tributarista, entre outros malefícios, o split payment pode acarretar no aumento da complexidade operacional e criar uma desigualdade competitiva entre pequenas e grandes empresas, já que as primeiras poderão ter mais dificuldade em implementar o novo sistema. Além disso, poderá forçar o contribuinte a discutir judicialmente caso discorde da cobrança tributária. “Haverá pagamento do imposto no momento da ocorrência do fato gerador. Se por acaso tivermos divergência de interpretação, o contribuinte terá que pagar o tributo e depois discutir”, comentou.
Por fim, Novoa defendeu que haja prazos longos e flexibilidade por parte do governo na instituição do split payment. “Quando existem custos de transição de um sistema para outro é preciso prever medidas transitórias, que têm que ser especialmente flexíveis. Não se pode mudar um sistema de um dia para o outro”, disse.
Menos fraude e sonegação
Representante do governo brasileiro no painel, Daniel Loria, diretor de programa da Secretaria Extraordinária da Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, voltou a defender que o split payment tem a capacidade de reduzir a alíquota do IBS e da CBS, já que, com o sistema, haverá um aumento da conformidade tributária.
Segundo Loria, sem o split payment a alíquota dos novos tributos saltará de 26,5% para 29,5%, com um valor anual entre R$ 100 bilhões e R$ 150 bilhões por ano em fraudes, inadimplência e sonegação.
Além disso, o split payment encerra os debates atualmente existentes sobre aproveitamento de crédito, e evita a volta da substituição tributária, por meio da qual um elo da cadeia fica responsável por recolher o tributo antecipadamente, em nome das demais companhias.
Loria também explicou o funcionamento do sistema: “A empresa de meio de pagamento captura a transação, e durante o processamento faz uma consulta ao Comitê Gestor [do IBS] e à Receita. O Comitê Gestor e a Receita respondem a essa consulta com o valor que ela tem que splitar, segregar, e ela obedece a ordem. A empresa [de meio de pagamento] não é responsável tributária, não é responsável pela apuração, simplesmente é uma prestadora de serviços para cumprir as ordens que recebe da administração tributária”, afirmou.
O representante do governo defendeu que o split payment “congrega o que temos de melhor no Brasil em termos de tecnologia de arrecadação com tecnologia de meio de pagamento”. “Acreditamos firmemente que ele é o caminho para um IVA moderno, fácil de apurar, com baixo risco e baixo contencioso.”
Fonte: Jota