Da forma como foi feita, a modulação dos efeitos temporais
da tese que afastou o teto de 20 salários mínimos para a base de cálculo das
contribuições parafiscais voltadas ao custeio do Sistema S (Sesi, Senai, Sesc e
Senac) gera no mercado um problema concorrencial.
A conclusão é de tributaristas consultados pela revista
eletrônica Consultor Jurídico, depois de a 1ª Seção do Superior Tribunal
de Justiça confirmar a modulação. O colegiado rejeitou embargos de declaração sobre o tema, na quarta-feira
(11/9).
A modulação foi feita porque a tese fixada representa uma
mudança de jurisprudência. Até então, o STJ tinha apenas dois precedentes
colegiados e já somava 13 anos de decisões monocráticas mantendo a limitação
dessas contribuições.
Ficou decidido então que ela não incidiria para as empresas
que ingressaram com ação judicial e/ou protocolaram pedidos administrativos até
25 de outubro de 2023, desde que tenham obtido pronunciamento favorável para
restringir a base de cálculo das contribuições.
Isso quer dizer que essas empresas puderam manter o
recolhimento da contribuição com limite de 20 salários mínimos, mas apenas até
2 maio de 2024, data em que o acórdão da 1ª Seção foi publicado. A partir dessa
data, o limite deixa de valer para todos.
A data de 25 de outubro de 2023 é aquela em que a 1ª Seção
começou a julgar os recursos. A restrição acaba sendo maior porque a afetação
deles sob o rito dos repetitivos, ainda em dezembro de 2020, suspendeu o
trâmite de todas as ações sobre o tema.
Portanto, nos 2 anos e 10 meses que o STJ levou para começar
o julgamento, nenhum contribuinte recebeu decisão favorável para manter a
contribuição com limite de 20 salários mínimos.
Graças à modulação, isso significa que determinadas empresas
passaram 3 anos e 4 meses (da afetação até a publicação do acórdão) gozando do
benefício, enquanto suas concorrentes podem ter sido obrigadas a afastar o
limite ao recolher a contribuição.
Problema concorrencial
O problema concorrencial gerado foi ressaltado pelo
advogado Ednaldo Rodrigues, do Candido Martins. “Contribuintes do mesmo
segmento econômico passaram a ter cargas tributárias absolutamente distintas,
apenas porque um obteve uma decisão judicial favorável e outro, não.”
Danielle Chinellato, da Innocenti Advogados, destacou que a
questão é agravada pelo fato de que as decisões que autorizam o recolhimento da
contribuição ainda sob o limite de 20 salários mínimos permitem a recuperação
de créditos para os cinco anos anteriores.
Assim, empresas que tenham ajuizado ação com esse fim no
mesmo dia e na mesma vara podem ter direito a algum crédito ou não a depender
da agilidade do juiz competente para julgamento.
Essa variação também será observada por questões de
jurisprudência regional: há tribunais Regionais Federais que eram mais
aderentes à jurisprudência até então pacífica do STJ sobre o tema, enquanto
outros já divergiam.
Isso faz com que o critério da modulação cause mais
dissonância do que segurança jurídica, segundo a advogada. “Quanto mais se
aprofunda nos impactos envolvendo o tema, maior parece ser a insegurança
jurídica aos contribuintes.”
Gustavo Taparelli, sócio da Abe Advogados, aponta que a
modulação apenas acentua e torna definitivo o desequilíbrio concorrência
vigente no período em relação aos contribuintes que obtiveram decisão favorável
e os que não obtiveram.
“O problema concorrencial parece agravar-se ainda mais nos
casos de empresas com grande número de funcionários. A precificação de seus
produtos e serviços pode sofrer impacto considerável em vista do relevante
valor envolvido da decisão judicial.”
Quanto maior, mais caro
Como mostrou a ConJur, o impacto negativo do
afastamento do teto de 20 salários mínimos para a base de cálculo das
contribuições parafiscais é realmente mais intenso para as grandes empresas.
Essas contribuições são calculadas de acordo com a alíquota
definida por lei para diferentes ramos de atividade econômica. A média entre
elas é de 5,8%.
Tomando por base esse valor, uma empresa no início de 2024
pagaria sua contribuição tendo como base de cálculo 20 vezes o valor de R$
1.412, que é o salário mínimo atualizado.
Ela pagaria, portanto, 5,8% de R$ 28.240. A contribuição
total da empresa seria de R$ 1.637,92.
Afastando-se o limite, a mesma empresa pagará 5,8% sobre o
valor de toda sua folha de pagamento. Quanto mais empregados ela tiver, maior
será a contribuição, sem qualquer limite.
Se essa empresa tiver folha de pagamento de R$ 500 mil, a
contribuição será 5,8% disso: R$ 29 mil. Nesse caso hipotético, o salto de
contribuição é de mais de 17 vezes.
Judicialização estimulada
Segundo Gustavo Taparelli, a ausência de critérios legais
claros para a modulação dos efeito de suas decisões e o desejo dos tribunais
superiores brasileiros de usar dessa possibilidade desenfreadamente acabaram
por banalizar o instituto.
A crítica é recorrente. O caso das contribuições ao Sistema
S foi uma das controversas modulações feitas pelo STJ em teses tributárias
— cada uma com um critério diferente, para desagrado de
tributaristas e contribuintes em geral.
Ministros do próprio STJ já notaram que o risco de modulação tem levado ao ajuizamento de ações como
forma de prevenção. A 1ª Seção debateu esse fenômeno em 1º de julho. Na
ocasião, a ministra Regina Helena Costa defendeu o uso do modelo adotado por
ela, relatora no caso do Sistema S.
Isso significa que não bastaria ter ajuizado a ação. Seria
necessária uma decisão de mérito. “No prazo de um ano a partir da afetação, não
é possível que alguém que correu para ajuizar a ação vai ter sentença ou
acórdão. Não dá tempo”, disse.
Para Taparelli, o uso desenfreado da modulação nos seus mais
flexíveis formatos afasta os tribunais superiores de suas funções mais
importantes, já que cria insegurança jurídica por ausência de uniformidade de
seus entendimentos.
“O fato de a sociedade não ter clareza sobre o alcance das
decisões e nem compreender adequadamente os fundamentos jurídicos utilizados
contribui para o aumento da litigiosidade e a sensação de desamparo”, avalia.
Ele defende, ainda, o debate no Congresso Nacional com o
objetivo de imposição de limites legais mais adequados que desestimule a
utilização constante da prática de modular efeitos de decisões judiciais.
REsp 1.898.532
REsp 1.905.870
Fonte: Consultor
Jurídico (ConJur)