Tiago Angelo
A licença-maternidade não contempla só a mãe, mas a relação entre mãe e filho e o melhor interesse da criança, que deve ser protegida, como preceitua a Constituição Federal.
Esse entendimento é do Plenário do Supremo Tribunal Federal, que decidiu nesta quarta-feira (13/3), em repercussão geral, que a mãe não gestante em união homoafetiva tem direito à licença-maternidade de 180 dias caso a companheira não tenha usufruído do benefício.
Prevaleceu o voto do relator, ministro Luiz Fux, com um adendo na tese proposto pelo ministro Edson Fachin. Caso a mãe que gerou a criança tenha usufruído do benefício, a não gestante terá direito à licença em período igual ao da licença-paternidade, que é de cinco dias.
A tese proposta por Fux foi acompanhada pelos ministros Flávio Dino, Cristiano Zanin, André Mendonça, Nunes Marques, Edson Fachin, Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso.
O ministro Alexandre de Moraes abriu a divergência para que ambas as mães tivessem direito à licença de 120 dias. Ele foi acompanhado pelos ministros Dias Toffoli e Cármen Lúcia.
Inseminação artificial
O caso concreto é o de um casal de mulheres que fez inseminação artificial. Uma delas forneceu o óvulo, enquanto a outra gestou a criança.
A mulher que forneceu o óvulo, uma servidora pública de São Bernardo do Campo (SP), pediu a licença-maternidade, já que sua companheira é autônoma e não poderia usufruir do benefício.
O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) concedeu a licença. O município de São Bernardo entrou com recurso, mas o Supremo rejeitou o pedido contra a decisão do TJ, mantendo a licença.
Voto do relator
Para Fux, a licença é uma proteção garantida pela Constituição e que tem a função de proteger não só a mãe, mas também a criança. Segundo o ministro, a concessão independe da origem da filiação e da configuração familiar.
“As mães não gestantes, apesar de não vivenciarem alterações típicas da gravidez, arcam com todos os demais papéis e tarefas que lhe incumbem após a formação do vínculo familiar.”
O ministro também afirmou que a Constituição incorporou uma concepção plural de família e de arranjos familiares, como a união estável e a família monoparental. Segundo ele, esse modelo plural deve nortear toda a legislação sobre o tema. “Em uma sociedade democrática, a realidade da multidiversidade familiar e todos os seus desdobramentos têm de ser reconhecidos.”
O ministro propôs, e foi acompanhado pela maioria, a fixação da seguinte tese de repercussão geral:
A mãe servidora ou trabalhadora não gestante em união homoafetiva tem direito ao gozo de licença-maternidade. Caso a companheira tenha utilizado o benefício, fará jus à licença pelo período equivalente ao da licença-paternidade.
Divergência
Alexandre divergiu. Segundo ele, as mães não gestantes deveriam ter direito a benefício igual.
O argumento do ministro é que a Constituição estabeleceu uma licença maior para as mães por sua condição de mulheres. Como na união homoafetiva ambas são mulheres, as duas deveriam ter igual período de licença.
“Não me parece possível escolher uma mãe só para ter a licença-maternidade. Estamos querendo replicar o modelo tradicional de casamento para a união estável homoafetiva. A Constituição estabeleceu uma licença maior para a mãe vislumbrando a condição de mulher.”
O ministro propôs que, assim como na adoção por casais homoafetivos, ambas tivessem direito à licença de 120 dias.
“Tenho amigas promotoras que são casadas. Se elas adotarem, as duas têm direito a 120 dias. Agora, se fizerem inseminação, uma vai ter direito à licença-maternidade e a outra à licença-paternidade? Estamos classificando uma mulher como pai”, afirmou Alexandre.
RE 1.211.446
Fonte: Consultor Jurídico