Limitação das multas tributárias: do STF ao Congresso Nacional

As penalidades pelo não recolhimento de tributo geram passivo e acabam num longo contencioso, com reflexos até penais

A limitação das (elevadas) multas tributárias não é matéria nova, sabemos, mas está atualmente no foco do Congresso Nacional. Eis os fatos mais recentes:

·         aprovação do Projeto de Lei nº 384/2023 (“PL do CARF”), com redução de 150% para 100% da multa de ofício agravada aplicável aos casos de fraude, sonegação ou conluio – com aplicação inclusive retroativa, por força do Código Tributário Nacional (CTN, art. 106);

·         retorno à Câmara dos Deputados[1] dos vetos presidenciais no ato de sanção da Lei nº 14.689/2023, em dispositivos sobre (i) redução de multa de ofício em pelo menos 1/3, de multa de mora em pelo menos 50%, (ii) limitação de multa de ofício a 100% do valor do tributo, inclusive para débitos já constituídos e inscritos em dívida ativa (art. 14 do PL do CARF); e,

·        aprovação do PL nº 4.287/2023, no Senado, para redução de multa de ofício federal de 75% para 50% do tributo.

A recente Lei 14.689/23 minimizou, ou até superou, um dos Temas (863) em discussão no STF quanto à multa agravada por fraude, sonegação ou conluio, mas ainda não solucionou outros dois conflitos relevantes (Temas 1195 – multa de ofício até 100% tributo; e 816 – multa moratória a 20%) por conta dos vetos recebidos do Sr. Presidente da República.

Há tempos, a desproporção das multas tributárias é debatida no Judiciário, seja pelas diferentes e cumulativas espécies de multas (mora, ofício e isolada), seja porque muitas superam o valor do tributo e outras tantas são desproporcionais à infração cometida pelo sujeito passivo, deflagrando prematuras representações fiscais para fins penais e sucessivos inquéritos, onerando (e muito!) garantias dos débitos e até chegando configurar verdadeiro confisco.

Princípios do não confisco, da proporcionalidade e da capacidade contributiva do sujeito passivo estão consagrados na Constituição Federal e figuram como limite objetivo à cobrança de multa – instrumento para estimular a conformidade fiscal e não uma arrecadação “às avessas” aos cofres públicos.

Em emblemático julgado, já decidiu o Supremo Tribunal Federal (“STF”) que “a proibição constitucional do confisco em matéria tributária nada mais representa senão a interdição, pela Carta Política, de qualquer pretensão governamental que possa conduzir, no campo da fiscalidade (…) à injusta apropriação estatal, no todo ou em parte, do patrimônio ou dos rendimentos dos contribuintes (…).”[2]

Fato é que o limite constitucional para a imposição de multas tributárias está em 4 temas de Repercussão Geral, aguardando julgamento no STF:

 Tema 1195

Multa de ofício > 100% do tributo


Tema 863

Multa qualificada


Tema 487

Multa pelo descumprimento de obrigação acessória


Tema 816

Multa moratória > 20% do tributo


Tema 736

Multa isolada por não homologação de compensação


Julgado: multa inconstitucional


Estes temas, de reconhecida relevância e abrangência, envolvem, na essência, o limite do poder de tributar do Estado × patrimônio dos contribuintes (direito fundamental de propriedade).

A definição do STF sobre essa tensão de fundo constitucional é muito necessária, quanto mais no âmbito estadual e municipal, para vincular entes federados cuja competência tributária e autonomia legislativa produzem historicamente regras de cumulação de multas, que desconsideram a teoria da consunção (absorção de condutas) e o marco do valor do tributo. É o que ilustra o caso concreto afetado como Tema 1195, no qual a multa punitiva, não qualificada, atingiu absurdos 400% do valor do tributo em discussão (ICMS).

O Min. Luís Roberto Barroso, hoje Exmo. Presidente do STF, foi enfático num dos julgamentos da matéria: “a tese de que o acessório não pode se sobrepor ao principal parece ser mais adequada enquanto parâmetro para fixar as balizas de uma multa punitiva, sobretudo se considerado que o montante equivale à própria incidência.”[3]

Afinal, a penalidade tributária deve servir à cultura da conformidade fiscal e não à arrecadação propriamente dita.

A expectativa é que, enquanto a pauta do STF não chega às multas, tanto os vetos ao PL n.º 2.384/23 quanto o PL nº 4.287/2023 e outros similares acelerem a evolução normativa da matéria, fixando limites objetivos e expressos para a imposição de penalidades a pretexto do cometimento de infrações tributárias.

Seja por edição de nova lei, seja por decisão vinculante do STF, já passou da hora de fazer valer a Constituição Federal e limitar o valor de multas de natureza tributária, coibindo arrecadação “às avessas” e o efeito confiscatório e, enfim, contribuindo para a recomposição de relação mais equilibrada entre fisco e contribuintes.

Números: GO, RS, RO e União

Goiás cobrava do contribuinte multa > 120% do valor do tributo. E o STF rechaçou a cobrança (RE 833.1060).

Rio Grande do Sul exigia multa moratória de 30% do valor do tributo. E o STF a limitou (ARE 727.872).

Rondônia impôs multa de 40% do valor da operação por mero descumprimento de obrigação acessória (NFs). E o STF também está formando o entendimento por um limite (RE 640.452).

União costuma cobrar multa de ofício + multa isolada, mas acaba de ser repreendida por decisão unânime do STJ no último dia 07.11 (RESP 1.708.819).

União até agora também cobrava 150% a título de multa qualificada em caso de sonegação ou fraude. E o STF promete dar “balizas adequadas, em precedente qualificado pela repercussão geral”

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[1] Status legislativo do PL 2384 e vetos até o fechamento deste artigo (3 de outubro de 2023).


[2] ARE 754554, Rel. Min. Celso de Mello, j. 22/10/2013.


[3] ARE 938538, Rel. Min. Roberto Barroso, j. 30/09/2016.


Fonte: JOTA PRO

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