A 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) garantiu a uma usina o direito a créditos de ICMS sobre insumos intermediários – essenciais à produção, mas que não integram o produto final. A decisão é um importante precedente, segundo especialistas, por resolver divergência nas turmas que analisam questões tributárias na Corte.
O caso julgado pelos ministros é da paulista Pedra Agroindustrial, que pediu para aproveitar créditos de ICMS sobre diversos itens – entre eles, motores de válvulas, bombas e correntes transportadoras – para quitar débitos do imposto. Alegou que tais itens são essenciais à produção de etanol e açúcar, ainda que consumidos ou desgastados gradativamente no processo de fabricação.
No julgamento, finalizado neste mês, os ministros da 1ª Seção analisaram recurso contra decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP). No pedido, a usina apontou divergência nas decisões das turmas que julgam matérias tributárias no STJ.
Para os desembargadores do TJSP, os itens são bens que não se consomem durante o processo de industrialização, apenas se desgastam pelo uso constante. E, portanto, afirmam na decisão, não se poderia falar em cumulatividade do imposto, porque não ocorre a saída dos bens do estabelecimento, na qualidade de componente de produto industrializado.
No STJ, porém, a relatora, ministra Regina Helena Costa, aceitou o pedido da usina, e determinou a devolução do caso para que o TJSP possa realizar perícia dos itens. Para ela, há direito à obtenção de crédito quanto aos materiais – produtos intermediários – integrados no processo produtivo (REsp 1775781).
“Sendo o insumo mercadoria essencial à atividade da empresa, inarredável que a soma decorrente dessa aquisição constitui crédito dedutível na operação seguinte”, afirmou a ministra em seu voto.
Ainda segundo a relatora, a Lei Kandir (Lei Complementar nº 87, de 1996) não limita o direito a créditos na hipótese em que ficar comprovada a necessidade de uso de itens intermediários. “O atributo eleito como distintivo pelo Fisco, que é o desgaste gradual, mostra-se insuficiente para desqualificar a essencialidade do produto intermediário diante do processo produtivo”, disse ela.
Esses materiais, afirmou a relatora, não são de “uso e consumo” e, por isso, não se aplicaria a restrição do artigo 33 da Lei Complementar nº 87. Ela acrescentou, em seu voto, que a Secretaria de Fazenda e Planejamento de São Paulo vincula o creditamento ao consumo instantâneo do material utilizado, mas a Lei Kandir permite compensação relativa a produtos intermediários empregados no processo produtivo, ainda que não ocorra o consumo imediato e integral do bem e a integração física do produto.
Apesar de o processo julgado envolver São Paulo, outros Estados pediram para participar como parte interessada (amicus curiae). O pedido foi negado porque o julgamento já havia sido iniciado. Foram os Estados do Acre, Amazonas, Alagoas, Ceará, Goiás, Espírito Santo, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Maranhão, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Rondônia, Roraima, Santa Catarina, Sergipe, Tocantins e o Distrito Federal.
Quando o julgamento foi iniciado, em junho deste ano, o advogado da usina, Roque Carrazza, afirmou na sessão que, mesmo que os produtos intermediários não se incorporem aos bens industrializados, são essenciais e consumidos no processo. “Quando a vida útil do bem é potencialmente inferir a um ano e dentro desse lapso é totalmente consumido está-se diante de um produto intermediário, ainda que não integre o produto final”, afirmou.
Já André Brawerman, procurador do Estado de São Paulo, defendeu que o recurso não poderia ter sido admitido na Seção. Isso porque a 2ª Turma do STJ não chegou a analisar o mérito. Sobre o mérito, destacou ele, se o produto não foi integrado ou esgotado no processo de industrialização, não há direito a crédito.
Henrique Munia e Erbolato, sócio do Santos Neto Advogados, lembra que havia divergência entre as turmas do STJ sobre o assunto. O advogado destaca que os itens indicados no processo não são incorporados ao produto final, mas são essenciais para as usinas. Após a decisão, acrescenta, o TJSP vai analisar, por meio de laudos, se efetivamente os produtos indicados foram utilizados.
Esse ponto, diz o tributarista, é relevante para outras empresas na mesma situação porque vai depender de cada caso – e perícia – o aproveitamento de créditos. “É importante os contribuintes terem laudo e a comprovação dos produtos que acabam sendo utilizados nos respectivos processos produtivos”, afirma ele. “A decisão não é um precedente apenas para as usinas, mas também para outras cadeias, como a indústria automotiva.”
De acordo com a advogada Adriana Stamato, sócia do escritório Trench Rossi Watanabe, é necessário aguardar a publicação do acórdão. Mas a princípio, diz, parece que a tese pode ser aplicada para outras empresas, respeitadas as especificidades de cada processo produtivo.
Para a advogada, não faz sentido os contribuintes passarem anos discutindo o que dá ou não direito ao crédito. Ela lembra que o fim desse debate é uma das principais promessas da equipe que está cuidando da reforma tributária. “A lei complementar que será editada para o IBS e CBS não pode fazer nenhum tipo de restrição, nem dar espaço para dúvidas nesse sentido”, afirma.
Em nota ao Valor, a Procuradoria Geral do Estado de São Paulo informa que a questão em discussão envolve matéria constitucional e, provavelmente, será levada aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).
Fonte: Valor Econômico