STJ contraria Supremo ao tributar juros em questão contratual, dizem advogados

Ao julgar que incidem IRPJ e CSLL sobre os valores de juros de mora decorrentes do inadimplemento de contratos, o Superior Tribunal de Justiça impõe uma carga tributária adicional às empresas e mantém sua jurisprudência desalinhada em relação ao Supremo Tribunal Federal.

Essa é a opinião de advogados tributaristas ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico em relação ao julgamento da 1ª Turma do STJ, na terça-feira (9/8). A conclusão do colegiado representou uma reafirmação de posição, em consonância com a 2ª Turma, que também se dedica a temas tributários.

A ideia é que a tributação dos juros incidentes nos casos de inadimplemento de contratos é possível porque têm natureza de lucros cessantes. Assim, representam um aumento no patrimônio da empresa e, portanto, na base de cálculo do IPRJ e CSLL.

Essa conceituação tem sido adotada pelo STJ em diversos precedentes qualificados. Em 2021, ao julgar o Tema 878 dos repetitivos, por exemplo, a 1ª Seção definiu que a regra geral é de que os juros de mora têm mesmo natureza de lucros cessantes, o que permitiria sua tributação.

Ainda em 2021, no entanto, o Supremo Tribunal Federal julgou o Tema 962 da repercussão geral e fixou que é inconstitucional a incidência do IRPJ e da CSLL sobre os valores atinentes à taxa Selic recebidos em razão de repetição de indébito tributário. A tese teve aplicação modulada em 2022.

Indébito tributário é o valor gasto erroneamente pelo contribuinte no pagamento de tributos e que, portanto, deve ser corrigido e devolvido. Para o STF, essa correção representa a recomposição de perdas pelo contribuinte. Assim, não aumenta patrimônio nem pode ser tributada.

Qualquer expectativa de que esse entendimento pudesse alterar a forma como o Judiciário estava tratando toda e qualquer espécie de juros de mora caiu por terra em abril de 2023, quando a 1ª Seção fez a revisão dos Temas 504 e 505 dos repetitivos.

O voto do relator do REsp 1.138.695, ministro Mauro Campbell, interpretou o julgamento do STF para concluir que apenas excepcionalmente se poderia desconsiderar a natureza de lucros cessantes dos juros decorrentes da aplicação da taxa Selic em repetição de indébito.

Essa interpretação, nas palavras do relator, “significa também que todas as demais teses repetitivas adotadas pelo STJ no que diz respeito à incidência do IR e da CSLL sobre juros de mora restam preservadas”. Foi nisso que a 1ª Turma do STJ se baseou, na última terça-feira.

Pau que bate em chico...

Todos os advogados consultados pela ConJur veem conflito entre a posição do STJ e o precedente do STF. Para Gustavo Vita Pedrosa, do Ogawa, Lazzerotti e Baraldi Advogados, não há sentido em admitir a incidência de IRPJ e CSLL em um caso, mas não no outro.

“Em ambos os casos, há quebra da confiança entre as partes e os valores recebidos representam indenização pela perda do poder aquisitivo da moeda, obrigando as empresas, em qualquer cenário, a se capitalizar no mercado para recompor os valores que deixaram de receber, impactando negativamente em seus resultados”, afirma.

Amanda Valença, da Bento Muniz Advocacia, concorda, ao explicar que os juros moratórios visam indenizar o dano causado pela demora no pagamento previsto em contrato. Assim, têm natureza indenizatória, não remuneratória. Logo, não devem ser objeto de IRPJ e CSLL. “Esse foi o fundamento da decisão emitida pelo STF, que deve ser aplicado também ao caso de juros em contratos particulares.”

Segundo Leonardo Roesler, da RMS Advogados, os casos julgados por STF e STJ não são idênticos, mas se aproximam em sua essência. “Especialmente quando se considera o argumento de que juros de mora visam à recomposição de perdas, e não a uma efetiva ampliação patrimonial”. Para ele, o tema segue vivo e deve mesmo ser enfrentado no Supremo.

Na opinião de Bruno Rodrigues Teixeira, do TozziniFreire Advogados, não há como negar que os juros Selic e os juros moratórios decorrentes de inadimplemento contratual têm a mesma natureza, de recomposição de perda patrimonial. "O posicionamento do STJ, a meu ver, revela uma resistência em adotar o entendimento do STF. Espera-se que a Suprema Corte supere este entendimento, assim como o fez em relação à Selic, vez que posicionamento do STJ também era pela tributação."

Na análise de Mariana Ferreira, do Murayama Affonso Ferreira e Mota Advogados, a decisão do STJ não apenas ofende a posição do STF como também retira a materialidade do imposto e da contribuição. “Tais tributos possuem como base de cálculo o efetivo acréscimo patrimonial e, em se tratando de juros moratórios, não há acréscimo, mas sim uma indenização. Assim, pela natureza jurídica destes tributos e em respeito à capacidade contributiva, os juros moratórios não deveriam ser tributados.”

Consequências

Para Gustavo Vita Pedrosa, não há perspectiva de alteração do cenário jurisprudencial, já que recentemente o STJ reafirmou a sua jurisprudência no sentido de que incidem o IRPJ e a CSLL sobre a Taxa Selic na devolução dos depósitos judiciais. “Certamente, as empresas deverão levar a matéria para o STF analisar a compatibilidade do entendimento do STJ com a posição externada em 2021.”

Mariana Ferreira ainda aponta que a decisão do STJ acaba autorizando um incremento dos valores negociados em contrato, eis que o sujeito será tributado. “A decisão do STJ é questionável quanto ao aspecto da materialidade desses tributos, que, para ambos, está vinculada ao acréscimo patrimonial”, diz Amanda Valença.

Já Leonardo Roesler destaca que, para as empresas, “representa a necessidade de fazer uma revisão estratégica em suas operações contratuais, tendo em vista o peso adicional da carga tributária sobre juros moratórios”.

REsp 2.002.501


Fonte: Consultor Jurídico (Conjur) 

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