Ao menos R$ 120 bi em incentivos do ICMS foram reduzidos indevidamente do IRPJ e da CSLL, segundo o Fisco
Empresas que recebem incentivos fiscais de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) estão sendo ainda mais pressionadas pela Receita Federal. Isso porque essas organizações conseguiram reduzir esses valores do cálculo do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) nos últimos anos.
Vale destacar que duas levas de notificação da Receita já foram disparadas e, a mais recente, de acordo com advogados, em tom mais duro. Assim, cerca de 500 grandes empresas estão na mira do Fisco.
Essas notificações enviadas pela autarquia são tratadas, internamente, como o último aviso para o contribuinte regularizar a situação de forma espontânea.
Para o próximo passo, quem continuar em situação irregular, passará por fiscalizações e, posteriormente, virão as autuações, com multa de 75% sobre os valores que estão devidos.
Fiscalização
Uma das prioridades para a fiscalização é a recuperação desses valores chamados de subvenções.
Segundo a equipe econômica, o assunto é tratado como essencial para aumentar a arrecadação, bem como cumprir a meta de zerar o déficit primário do governo central em 2024.
O confronto entre as empresas beneficiadas pelo ICMS e o Fisco vem de longa data, porém ficou muito mais acirrado no primeiro semestre de 2023, após o Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgar o tema com efeito vinculante para todo o Judiciário.
Para a Fazenda, a projeção com esse julgamento era arrecadar cerca de R$ 90 bilhões, de acordo com declarações do ministro Fernando Haddad. Enquanto isso, a Receita Federal indicava na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) um impacto de R$ 47 bilhões.
A autarquia enviou uma primeira leva de notificações, para 5 mil contribuintes, em maio, poucos dias depois do julgamento, no entanto antes de a decisão ser publicada.
Vale frisar que a questão foi tratada de forma mais abrangente. Além disso, as notificações constaram como uma espécie de “convite” à autorregularização. A avaliação, porém, é de que não surtiu efeito.
Nessa segunda leva de notificação foi considerada a relevância do total de exclusões do IRPJ e da CSLL. Pode-se dizer que são contribuintes de diferentes setores que se beneficiaram de altas quantias. Por esse motivo, as notificações são bem mais direcionadas do que da primeira vez.
“Estamos convictos de que, nesses casos, houve redução indevida de valores. Total ou parcial”, diz um interlocutor da Fazenda.
Notificações enviadas
A Receita informou, em nota enviada à reportagem do Valor Econômico, que 60% das cerca de 500 empresas que receberam as notificações na segunda leva já procuraram o órgão, “o que está sendo tratado pela área técnica”.
A autarquia, além de solicitar informações e documentos contábeis, abre para os contribuintes, nessas notificações, qual seria sua interpretação do julgamento do STJ que, agora, já tem decisão publicada.
Em especial, esse ponto está sendo muito criticado pelos advogados de contribuintes que tiveram acesso às notificações. Os profissionais acusam o Fisco de distorcer o que ficou estabelecido.
Apesar disso, basicamente a Receita Federal diz que só existe garantia de não tributação para o crédito presumido (uma modalidade específica de benefício de ICMS). Dessa forma, todos os demais estão sujeitos a uma análise criteriosa baseada nos requisitos previstos no artigo 10 da Lei Complementar nº 160, de 2017, e no artigo 30 da Lei nº 12.973, de 2014.
Diante disso, dentre esses requisitos “está a ocorrência de efetivo benefício tributário decorrente da norma estadual que concedeu o benefício”.
Assim, o que a autarquia pretende dizer é que em situações de isenção, redução de cálculo ou de alíquota, por exemplo, o benefício fiscal não é dirigido ao vendedor da mercadoria, mas sim ao destinatário, que, em muitas operações, trata-se do consumidor final.
“Essa é a diretriz para o auditor, no momento das fiscalizações, que vai se debruçar sobre os livros da empresa e verificar o que aconteceu com o benefício”, diz uma fonte.
A fonte ainda pergunta se “foi destinado para investimento? Foi distribuído como lucro de maneira disfarçada? Ou foi repassado totalmente para o adquirente do produto?”.
Entendimento dos advogados
Para os advogados dos contribuintes, apesar disso, essa abordagem é nova, não teria sido ainda discutida em ações judiciais e administrativas.
“Estão caminhando para uma argumentação econômica que, no nosso modo de ver, não tem respaldo legal e tampouco algum respaldo em relação à decisão do STJ”, avalia o advogado Ricardo Varrichio.
Varrichio ainda frisa que essa “é uma leitura equivocada do acórdão”, concorda o advogado Fernando Solá Soares, do escritório Gaia Silva Gaede. “Essas notificações, se evoluírem para autuações, vão iniciar uma nova briga entre Fisco e empresas”.
De acordo com os os advogados, o requisito previsto na lei para livrar o contribuinte da tributação é de que os ganhos com os benefícios fiscais sejam “registrados em reserva de lucros”.
Assim, isso significa que só podem ser usados na própria empresa ou para abater prejuízo fiscal. Por exemplo, não sendo permitido distribuir aos sócios como dividendos ou juros sobre capital próprio.
“A Receita não tem expedido intimações, mas intimidações”, afirma o tributarista Eduardo Barboza, que também tem clientes nessa situação.
De acordo com Barboza, a Receita pretende que o contribuinte aceite o entendimento dela sobre a situação e não o que ficou decidido no STJ.
Todo esse debate entre Fisco e contribuintes acaba envolvendo os valores que as empresas deixam de repassar aos cofres estaduais.
Decisão
No ano de 2017, o STJ decidiu que créditos presumidos de ICMS não podem ser tributados. Caso tribute, a explicação é que a União esvazia um benefício concedido por Estados, violando o pacto federativo.
Daí vem a discussão atual: esse mesmo entendimento pode ser aplicado aos demais tipos de benefícios concedidos pelos Estados?
No julgamento de abril, o STJ respondeu que esses mesmos entendimentos não podem ser aplicados aos demais tipos de benefícios concedidos pelos Estados.
Apesar da resposta dada pelo Supremo, os ministros afirmam que a União precisa considerar, para exigir ou não os tributos, os requisitos estabelecidos no artigo 30 da Lei nº 12.973, de 2014, que vem causando divergência de interpretação.
Diante dessa situação, a Fazenda estuda, inclusive, uma alteração legislativa.
Os contribuintes mostraram embargos de declaração à Corte pedindo aos ministros a aplicação da modulação de efeitos, para que a decisão seja válida somente para o futuro.
Além disso, os contribuintes solicitam esclarecimentos sobre a forma como as empresas podem usar os recursos contabilizados em reserva.
“A Receita está se antecipando [com as notificações]”, afirma Barboza.
Segundo ele “faz quase um exercício de futurologia, imaginando o que o STJ vai falar nos embargos para forçar o contribuinte a pagar”.
Por outro lado, a autarquia se coloca na posição de colaboradora por expor a sua visão e dar a chance de o contribuinte pagar os valores ao governo de forma espontânea, sem pagamento de multa.
Conforme um interlocutor da Fazenda “queremos evitar litígio. O contribuinte que não quiser pode contestar administrativamente e, depois, judicialmente”.
“Mas precisa estar ciente de que serão anos de discussão e dinheiro gasto com advogado”, ainda conclui.
Fonte: Portal Contábeis