Uma revisão da lei do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse) pode emaranhar a já complexa disputa entre fisco e contribuintes. A origem está na MP 1.147/2022, que fechou uma brecha que possibilitava a apuração de créditos de PIS/Cofins, mas abriu uma nova possibilidade de judicialização.
A manutenção de créditos de PIS/Cofins aos setores beneficiados era uma dúvida desde a promulgação da lei que instituiu o Perse. Um artigo publicado na Revista Direito Tributário Atual, do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT), indicou uma resposta no ano passado, quando a medida provisória ainda não havia sido editada.
Os autores, os advogados Arthur Maria Ferreira Neto e Bruno Guedes Santiago, concluíram que, como a legislação não trazia um dispositivo que ditasse expressamente o cancelamento ou a anulação dos créditos, logo eles deveriam ser mantidos.
O salvo-conduto estava materializado no artigo 17 da Lei 11.033/2004, segundo o qual “vendas efetuadas com suspensão, isenção, alíquota 0 (zero) ou não incidência da Contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS não impedem a manutenção, pelo vendedor, dos créditos vinculados a essas operações”.
É duplamente vantajoso porque, além de não pagar o tributo, as empresas do lucro real podem apurar os créditos para abater débitos tributários ou até para embolsá-los em dinheiro. Talvez por isso o dispositivo tenha sido excetuado pela medida provisória.
O primeiro artigo do ato executivo estabelece que o disposto na lei de 2004 não se aplica aos créditos vinculados às receitas decorrentes das atividades do setor de eventos de que trata o Perse. A regra passou a valer a partir de 1º de abril deste ano.
“Essa medida provisória cortou um benefício no meio do jogo,” defende ao JOTA Arthur Maria Ferreira Neto, professor de Direito Tributário da UFRGS e co-autor do texto publicado na revista do IBDT. “A pergunta que a gente tem que fazer é: o legislador pode fazer isso?”
A resposta para o tributarista é que o Estado “não pode dar com uma mão, prometendo por um determinado prazo um benefício, e no transcurso do jogo dizer que se arrependeu”. Segundo Ferreira Neto, a mudança ofende a segurança jurídica e o artigo 178 do Código Tribuário Nacional, que diz o seguinte:
“Art. 178 – A isenção, salvo se concedida por prazo certo e em função de determinadas condições, pode ser revogada ou modificada por lei, a qualquer tempo, observado o disposto no inciso III do art. 104. (Redação dada pela Lei Complementar nº 24, de 1975).”
O advogado diz já preparar uma ofensiva no Judiciário contra a restrição. Ele espera apenas a conversão da MP em lei. A medida provisória já foi aprovada no Senado Federal e encaminhada à sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Carlos Eduardo Marino Orsolon, sócio da área de Tributário do Demarest, disse enxergar um espaço para judicialização. Apesar disso, o advogado sustentou que se o contribuinte for à Justiça enfrentará uma “briga boa” porque o “raciocínio não é direto e reto”.
Orsolon até citou a possibilidade de evocar o artigo 178, tratando o benefício como um bloco: a incidência de alíquota zero mais a possibilidade de manutenção dos créditos. “Como a isenção seria não pagar PIS/Cofins e manter os créditos, a MP reduz o benefício. Agora é só não pagar PIS/Cofins.”
Mas, para isso, ressalvou o advogado, seria preciso antes demonstrar que a manutenção dos créditos está no bloco do benefício, bem como equiparar a incidência de alíquota zero a uma isenção — debate sobre o qual há entendimentos divergentes
Já Juliana Miraglia, tributarista do escritório Rayes & Fagundes Advogados, diz não ver um caminho claro para que este argumento prospere nos tribunais. De acordo com ela, a medida provisória fecha essa brecha.
Miraglia avalia que as regras de PIS/Cofins são diferentes das do ICMS e IPI. O que pode e não pode quanto aos créditos de PIS/Cofins foi delegado ao legislador infraconstitucional, de modo que “essa vedação à tomada de créditos também poder ser feita por lei”.
“Considerando que a medida provisória inclui o parágrafo segundo na lei do Perse para afastar a aplicação do artigo 17 da Lei 11.033/2004 e que a MP, se convertida, tem força de lei, a gente não vê muito espaço para defender a manutenção desses créditos.”
Adriano Moura, sócio do Mattos Filho, segue a mesma linha de raciocínio. Ele não descarta a possibilidade de uma discussão judicial sobre a vedação, inclusive por meio do 178 do CTN, mas entende que, com a edição da MP, ela exigirá mais do contribuinte.
O advogado mencionou um precedente do Supremo Tribunal Federal (STF) fixado no Tema 756 da repercussão geral, conforme o qual o legislador pode disciplinar a não cumulatividade via lei ordinária. Nesse sentido, para ele, “a discussão fica um pouco fragilizada”.
“Teria que investigar se essa restrição está implicando alguma violação a um princípio, alguma regra constitucional, o que não me parece ser o caso, até do ponto de vista econômico. Se você não vai ter o PIS/Cofins de um lado, não faz sentido você apurar o crédito na entrada.”
“Há uma possibilidade de discussão. Acho que o artigo 178 seria um dos elementos, assim como se poderia dizer que a MP está esvaziando o benefício,” considerou Moura. “O caso a caso vai dar um colorido. A discussão não é necessariamente inviável, mas com a edição da MP, ficou um pouco mais difícil, mais trabalhosa”.
A reportagem não identificou processos que discutam a matéria no Judiciário. Para Arthur Maria Ferreira Neto, da UFRGS, é mais provável que isso comece a aparecer a partir de agora, dado que o dispositivo só passou a produzir efeitos em 1º de abril.
Fonte: JOTA