Com a publicação da Emenda Constitucional 113 no apagar das luzes de 2021, não só se materializou o tão almejado permissivo de uso de precatórios e direitos creditórios, próprio ou de terceiros, para quitação de dívidas tributárias, como também o dotou de oponibilidade automática a União, tornando despicienda sua positivação pelo legislador ordinária.
Antes desta ampla autorização, a Lei 13.988/2020 instituidora da transação tributária no âmbito federal até trazia tal possibilidade, mas somente quando oportunizada pelos representantes do Erário (PGFN/RFB) mediante critérios de conveniência e oportunidade do credor público.
Após quase 1 ano da instituição deste direito pelo Congresso Nacional, a administração fazendária finalmente regulamentou sua aplicação por meio dos artigos 60 a 64 da Portaria RFB 247/2022 e da Portaria PGFN 10.826/2022. Contudo, o que parecia ser a peça que faltava, tornou-se uma série de desencontros funcionais e entraves de natureza burocrática.
No âmbito da Procuradoria da Fazenda Nacional foi determinado, entre outras orientações, que o requerimento para liquidação de débitos inscritos, inclusive parcelados ou transacionados, por meio do uso de títulos executivos judiciais deveria ser instruído por documento denominado Certidão de Valor Líquido Disponível para fins de Utilização do Crédito em Precatório (CLVD) expedida pelo Poder Judiciário.
Contudo, a instituição desta certidão somente veio a lume no fim de março deste ano por meio dos artigos 27 a 31 Resolução CJF 882/2023. Portanto, somente a partir deste momento é que efetivamente se tornou possível apresentar os pleitos de liquidação regulamentos pela portaria de lavra da PGFN.
Já da parte da Receita Federal o rito é outro, sendo que dentre as exigências feitas na Portaria RFB 247/2022 encontra-se a obrigatoriedade de que a solicitação para liquidação de saldos devedores objeto de transação anteriormente firmada seja instruída com a cessão do direito creditório em favor da União, representada pela RFB, por meio de Escritura Pública lavrada no Registro de Títulos e Documentos.
Ocorre que para celebrar uma escritura pública de cessão de direitos é necessário que tanto o cedente (contribuinte) quanto o cessionário (Receita Federal) assinem referido instrumento. Todavia, ao acessar os canais oficiais de comunicação deste órgão para obter informações sobre como especificamente realizar tal ato e quem seria a autoridade competente para fazê-lo não se obtém qualquer tipo de retorno, inviabilizando até o momento o exercício de um direito incontrastável estabelecido no final de 2021.
Diante desta inação por parte das autoridades fiscais e da necessidade de materializar este verdadeiro “encontro de contas”, muitos contribuintes tem considerado a judicialização do tema de forma a fazer prevalecer o quanto antes o comando autorizativo da Emenda Constitucional 113/2021.
Não se discute aqui a necessidade do estabelecimento de requisitos formais à realização da cessão de um crédito, ainda mais em uma relação que tem como cessionário o poder público e como contrapartida a liquidação de saldos de transações tributárias no âmbito da RFB, mas não se pode coadunar com a falta de orientações detalhadas para sua devida instrumentalização que sem dúvida tem obstado o exercício de um direito assegurado diretamente pela Constituição Federal.
Nunca é demais lembrar que a Administração Pública sempre deve pautar sua atuação nos princípios constitucionais da transparência, moralidade e eficiência, devendo, portanto, se fazer clara, presente e solícita às demandas dos administrados, ainda mais quando inexistem dúvidas acerca da legitimidade do direito que de deseja exercer.
Com o novo regime de alocação orçamentária para pagamentos de precatórios estabelecido pela EC 114/2021, a tendência é de considerável aumento da disponibilidade de títulos judiciais para negociação. Logo, todas as formas previstas para sua monetização introduzidas pela EC 113/2021 podem e devem ser exercidas plenamente, não se podendo conceber mitigações desta prerrogativa pautadas em artifícios jurídicos ou omissões estatais.
Não se pode negar o fato de que títulos judiciais, próprios ou de terceiros, tornaram-se definitivamente uma moeda corrente para quitação de tributos federais, devendo os contribuintes considerar esta nova realidade como uma das ferramentas jurídicas disponíveis à equalização de seus passivos tributários e acionar o Poder Judiciário quando se fizer necessário estabelecer a prevalência do exercício deste direito.
Por ALESSANDRO BARRETO BORGES – Sócio do Benício Advogados
Fonte: Jota