Contribuintes têm conseguido na Justiça decisões garantindo a incidência do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) com base no valor da operação, e não sobre um valor de referência estabelecido unilateralmente pelos municípios. Os precedentes levam em consideração o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no REsp 1937821/SP (Tema 1.113), por meio do qual a corte considerou, entre outros pontos, que se deve presumir que o valor apresentado pelo contribuinte é condizente com o preço de mercado.
As pessoas físicas e jurídicas têm recorrido ao Judiciário porque, apesar do repetitivo, muitos municípios têm utilizado valores de referência para calcular o ITBI. A metodologia, em grande parte das vezes, resulta em valores superiores a serem recolhidos pelos contribuintes.
Ricardo Almeida, assessor jurídico da Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais (Abrasf), aponta irregularidades no repetitivo do STJ, salientando que há recurso contra ele ao Supremo Tribunal Federal (RE 1412419). “Não tem sentido transmutar um imposto que é sobre patrimônio [em um imposto] sobre preço”, defende.
Em agosto de 2022, a Abrasf divulgou um parecer defendendo, entre outros pontos, que o repetitivo é restrito à discussão sobre incidência de ITBI em arrematações de imóveis ofertados em hastas públicas judiciais. Além disso, a associação alega que as administrações públicas, ao contrário do Judiciário, não estão vinculadas a entendimentos tomados em recursos repetitivos.
O advogado Edgar Santos Gomes, do Terciotti Andrade Gomes Donato Advogados, concorda que os municípios não estão legalmente obrigados a seguir o repetitivo, mas lembra que a posição gera gastos desnecessários, já que os contribuintes ganharão os processos sobre o tema na Justiça. “Se o contribuinte entra com uma ação, e essa ação não for um mandado de segurança, o contribuinte vai ganhar e ainda vai ganhar honorários de sucumbência. O município vai ter que pagar um valor desnecessário ao contribuinte porque foi teimoso”, opina.
Já o advogado Allan Fallet, do Mauger Muniz Advogados, destaca que o cenário atual é de insegurança jurídica, sendo urgente um posicionamento definitivo sobre o tema. A advogada Marina Prado, da mesma banca, concorda. “A discussão sobre a base de cálculo do ITBI (Tema 1.113/STJ) é uma discussão muito antiga e que até agora não foi resolvida de maneira definitiva pelos tribunais superiores. Portanto, os contribuintes ainda não têm segurança jurídica em relação às operações imobiliárias e cada caso precisa ser analisado individualmente”.
Jurisprudência nos TJs
Enquanto não há solução definitiva do caso pelo STF, a primeira e segunda instâncias têm recebido uma quantidade enorme de processos sobre o tema. Uma busca de jurisprudência realizada pelo JOTA mostrou uma grande quantidade de resultados favoráveis aos contribuintes, com a aplicação do entendimento firmado no Tema 1.113.
Exemplo é o processo 0715127-42.2022.8.07.0018, analisado em 27 de fevereiro pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT). A ação envolve duas pessoas físicas que compraram um imóvel a R$ 533.500, porém o Distrito Federal exigiu o ITBI sobre o valor de R$ 987.065,20. O aumento da base de cálculo gerou uma diferença de R$ 13.606,95 do tributo a ser recolhido.
No TJDFT, entretanto, prevaleceu o valor de compra e venda. “Conforme o entendimento do STJ, o valor da transação declarada pelo contribuinte é que deve ser a base de cálculo para a cobrança do IBTI, no caso, R$ 533.500. Ademais, há vedação de o município arbitrar previamente a base de cálculo com respaldo em valor unilateral de referência”, afirmou o desembargador Leonardo Roscoe Bessa, da 6ª Turma Cível.
Posicionamento semelhante consta no processo 1060142-22.2022.8.26.0053, analisado em 22 de março pela 15ª Câmara de Direito Público do TJSP. Para a relatora, desembargadora Tânia Ahualli, após o repetitivo do STJ “entendeu-se ilegal o proceder das Fazendas de arbitrar previamente o valor venal de ITBI ou aplicar qualquer índice pré-determinado, inclusive o valor venal a título de IPTU, devendo o tributo [ITBI] ser cobrado com base no valor da transação imobiliária, a menos que o município instaure regular processo administrativo para fins de arbitramento”.
Por meio do Tema 1.113, o STJ previu que o valor da transação somente pode ser afastado como base de cálculo do ITBI “mediante a regular instauração de processo administrativo próprio”.
Na 2ª instância, o debate também está presente na fixação da base de cálculo do ITBI dos imóveis arrematados por meio de leilão. É a situação presente no processo 0054895-37.2022.8.19.0000, analisado pela 25ª Câmara Cível do TJRJ.
A ação envolve uma empresa que adquiriu, por meio de leilão extrajudicial, um imóvel a R$ 1.027.650, porém a base de cálculo do ITBI foi fixada em R$ 2.800.512,10 pelo município do Rio de Janeiro. A diferença gerou um excedente de mais de R$ 50 mil a ser recolhido pela companhia.
Em primeira instância a empresa teve pedido de liminar negado sob o argumento de que a utilização do valor da operação como base de cálculo do ITBI valeria apenas para leilões judiciais. A fundamentação, porém, foi afastada em segunda instância. “A distinção efetuada pelo Juízo de origem quanto ao leilão judicial e o extrajudicial não se coaduna com a orientação do E. STJ”, defendeu o desembargador Sérgio Seabra Varella ao deferir liminar favorável à empresa.
O JOTA também encontrou decisões que afastam o valor da operação como base de cálculo do ITBI, principalmente nos casos em que identifica-se que o preço utilizado pelas partes não condiz com o praticado pelo mercado. É o caso do processo 5038475-43.2021.8.21.0001, analisado pela 2ª Câmara Cível do TJRS.
Neste caso, foi mantida a incidência do ITBI sobre o valor apresentado pela prefeitura pelo fato de o preço da operação estar em desacordo com o preço de mercado. “Os laudos evidenciam que os valores identificados no negócio particular estavam abaixo da metade daqueles praticados no mercado imobiliário”, destaca a desembargadora Laura Louzada Jaccottet.
Fonte: Jota