Processo que está em trâmite no STJ pode ser remetido ao Supremo e indicado como representativo para julgamento de tese vinculante
O procurador-geral da República, Augusto Aras, defendeu que o debate quanto à exigência da comprovação de dolo específico para a tipificação do crime de apropriação de ICMS próprio deve tornar-se tema da Sistemática da Repercussão Geral no Supremo Tribunal Federal (STF). O posicionamento foi sustentado em memorial encaminhado à Vice-Presidência do Superior Tribunal de Justiça (STJ). O PGR opina pela remessa do Recurso Extraordinário no Agravo em Recurso Especial (AREsp) 2.219.990/SC para o STF, de modo que a Corte decida sobre o tema de forma vinculante. Para Aras, o processo citado tem condições de ser indicado como representativo da controvérsia.
O caso tem como pano de fundo uma denúncia oferecida pelo Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) contra comerciante que deixou de recolher o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e foi condenado em primeira instância a pena privativa de liberdade, substituída por restritiva de direitos. A condenação foi mantida pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Após a chegada do processo ao STJ, a Quinta Turma decidiu reformar a decisão sob o argumento de que, não sendo comprovado o dolo de apropriação, é inviável a manutenção da condenação. O recurso extraordinário do MPSC é contra essa decisão.
No documento, Augusto Aras esclarece que a demanda transcende o interesse subjetivo das partes e tem relevância social, política e jurídica, o que justifica a indicação do recurso para a Sistemática da Repercussão Geral no STF. No entanto, como está em tramitação no STJ, cabe ao Vice-Presidente da Corte Superior, Og Fernandes, selecionar o recurso como representativo de controvérsia constitucional e remetê-lo à Corte Suprema, nos moldes do que determina o Código de Processo Civil (CPC).
Segundo o procurador-geral da República, estão presentes todos os requisitos de admissibilidade para tal. A questão foi amplamente debatida durante o julgamento do agravo regimental pela Quinta Turma, que “tratou de hipótese não prevista em lei, em inobservância ao texto constitucional”. O tema foi discutido, ainda, em sede de embargos de declaração, quando não há necessidade de revolvimento de material probatório e o recurso contêm abrangente argumentação a respeito da questão em análise.
Controvérsia – No memorial, o PGR pontua que vários casos envolvendo a temática estão em tramitação nos tribunais brasileiros, com decisões que muitas vezes causam prejuízo aos cofres públicos estaduais. Isso porque, segundo ele, contrariam a decisão do STF no RHC 163.334/SC. No julgamento desse caso, que também foi citado como precedente pelo MPSC, o Plenário do Supremo decidiu que a conduta de se apropriar de forma intencional do ICMS incide no crime previsto no art. 2º (inciso II) da Lei 8.137/1990.
A Corte assentou que o valor do ICMS cobrado do consumidor não integra o patrimônio do comerciante e tão somente passa pelo caixa, devendo ser devidamente recolhido aos cofres públicos. A litigiosidade, na avaliação de Aras, atinge múltiplas relações jurídicas. “Recomendável que a Suprema Corte analise o ponto em discussão, fixando orientação vinculante e erga omnes, ante os reflexos do tema nos âmbitos político, social e jurídico, sobretudo em razão da jurisprudência que vem se firmando naquela Corte”, afirma.
Para o PGR, estão em jogo os princípios da separação dos Poderes e da legalidade, diante da necessidade de se garantir a uniformidade na aplicação e caracterização do tipo penal. A indicação do processo como representativo da controvérsia também tem potencial para conferir segurança jurídica e alinhar o Judiciário brasileiro às metas de construir instituições eficazes na promoção do Estado de Direito, nos termos do que prevê a Agenda 2030 das Nações Unidas.
Fonte: Jota