Está prevista para ser finalizada nesta quarta-feira (12) uma das mais importantes discussões tributárias em pauta no Supremo Tribunal Federal (STF): a ADC 49. Está em debate a possibilidade de aproveitamento e transferência de créditos de ICMS após a corte ter entendido que não incide o imposto em operações interestaduais entre empresas do mesmo titular.
A discussão é bilionária e interessa sobretudo a empresas do varejo e comércio eletrônico. Porém, faltando um voto, existe a possibilidade de não ser formado o quórum mínimo de oito ministros para a modulação dos efeitos da decisão, já que os magistrados se dividiram entre duas posições distintas.
O que ocorre nesta situação? Entre os especialistas consultados pelo JOTA, há consenso sobre a insegurança que a ausência de posicionamento do STF na questão da transferência dos créditos irá gerar. Não há consenso, porém, em torno do que ocorrerá caso o quórum não seja atingido: os pontos do voto vencedor que não dizem respeito à modulação prevalecerão? Haverá uma nova votação?
O debate em torno da ADC 49 teve início em abril de 2021, quando o STF entendeu que não incide o ICMS na transferência de mercadorias entre empresas do mesmo titular. Pelo fato de estarmos diante de uma não incidência tributária, pode parecer que a decisão é positiva para as empresas, mas essa não é a realidade de todos os contribuintes.
Para parte das empresas, a cobrança do imposto é importante porque permite a transferência de créditos entre suas unidades, reduzindo o impacto do ICMS ao longo da cadeia.
Essa seria a situação, por exemplo, de empresas do comércio eletrônico que compram uma mercadoria de um fornecedor, mandam essa mercadoria para um centro de distribuição em outro estado e depois enviam o bem ao consumidor final. Sem a incidência do ICMS na operação entre as empresas do mesmo grupo econômico e sem a possibilidade de transferência de créditos, a unidade que adquire a mercadoria do fornecedor acumula crédito e não consegue enviá-lo ao centro de distribuição, que poderia utilizá-lo para abater o ICMS incidente na operação subsequente.
O debate sobre a transferência dos créditos está presente nos embargos de declaração à ADC 49, que vêm sendo incluídos na pauta do plenário virtual desde outubro de 2021. Atualmente o placar está em 5 a 5.
Por ora, metade dos ministros seguiu a divergência aberta pelo ministro Dias Toffoli. O magistrado entendeu que, por tratar de regime de compensação de imposto, a regulamentação sobre a transferência dos créditos deve ser feita por meio de lei complementar. O magistrado, que foi seguido até agora por Alexandre de Moraes, Luiz Fux, Nunes Marques e André Mendonça, estabeleceu prazo de 18 meses a partir da data de publicação da ata de julgamento dos embargos de declaração para que o Congresso edite norma sobre o tema. A partir desta data também estaria vigente a decisão do STF que afastou a incidência do ICMS.
Já o relator, Edson Fachin, votou em outubro de 2021 pela modulação para que a decisão tomada anteriormente pelo Supremo tivesse vigência a partir de 2023. Em relação aos créditos, Fachin defendeu que, exaurido o prazo da modulação sem que os estados disciplinem a matéria, fica reconhecida a possibilidade de transferência. O relator foi seguido, por ora, pelos ministros Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes.
Faltando o voto da ministra Rosa Weber, o cenário levanta a possibilidade de não ser atingido o quórum mínimo de oito ministros para modulação. Mas o que acontece nessa situação?
Consultados pelo JOTA, tanto representantes dos contribuintes quanto representantes dos estados defendem que a indefinição sobre a transferência de créditos é prejudicial. Os entrevistados, porém, acreditam que dificilmente o Supremo finalizará o caso sem algum tipo de decisão nos embargos, mesmo porque há consenso sobre a necessidade de modulação e pela possibilidade de manutenção dos créditos de ICMS.
“Em relação à questão da modulação, o Supremo já tem dois terços [dos votos]. Acho improvável que ele deixe de modular pela concorrência de fundamentação em relação aos parâmetros dessa decisão”, defende o advogado Leonel Pittzer.
Para Pittzer, a melhor alternativa seria votar os temas em separado. Assim, os ministros analisariam individualmente a questão do aproveitamento e transferência de crédito e da modulação, podendo chegar a algum tipo de consenso.
Já o advogado Eduardo Pugliesi, do schneider, pugliese advogados, que representa um dos amicus curiae na ADC 49, entende que o STF não tem quórum apenas para a discussão sobre modulação dos efeitos da decisão, ou seja, a partir de quando o entendimento tomado em 2021 valerá. Assim, em relação aos demais pontos tratados nos embargos, valem os termos que constarem no posicionamento com mais votos.
Por exemplo, se o entendimento do ministro Dias Toffoli for o mais votado, fica autorizada a transferência de crédito desde que haja uma lei complementar disciplinando o tema. Não valerá, porém, o trecho do voto que prevê que a decisão de mérito do STF deve ter eficácia após 18 meses, contados da data de publicação da ata de julgamento dos embargos de declaração.
“O que não é modulação do voto dele [Toffoli] já vale”, sintetiza Pugliesi.
Entre os entrevistados, houve ainda quem defendeu que o não atingimento do quórum deveria levar a presidente do STF, Rosa Weber, a suspender a proclamação do julgamento ou a levar o tema ao plenário físico. Outra opção seria um pedido de destaque por algum ministro, o que reiniciaria o julgamento no plenário físico.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já enfrentou situação semelhante no REsp 1567276/CE. Isso porque, após a análise do caso, que versa sobre Direito de Família, não havia quórum na 4ª Turma para decidir sobre o tema. Ainda, pela divergência entre os votos, não era possível chegar a um voto médio. A opção foi renovar o julgamento, com a convocação de um ministro da 3ª Turma.
A solução, por óbvio, não pode ser aplicada ao STF. Em resumo, é esperar para ver como o Supremo vai enfrentar a questão.
Fonte: JOTA