Contribuintes têm conseguido na Justiça emplacar uma manobra processual para manter discussões sobre compensação tributária – uso de créditos para pagar impostos. Há pelo menos três decisões, duas no Rio de Janeiro e uma em São Paulo, favoráveis à conversão automática de embargos à execução fiscal em ação anulatória. Esse movimento começou depois de julgamento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre a impossibilidade de se discutir esses encontros de contas por meio de embargos.
A questão foi levada à 1ª Seção em outubro de 2021 (EREsp 1795347). Os ministros não chegaram a analisar o mérito por entender que as duas turmas de direito público têm o mesmo posicionamento e, portanto, não haveria divergência – apesar de haver julgamento em recurso repetitivo de 2009 em sentido contrário. Ambas entendem que as ações de execução fiscal são específicas para discutir débitos. Os contribuintes, portanto, não poderiam usar como defesa contra essas cobranças a alegação de que existe um crédito negado na esfera administrativa – nem discutir se tem ou não direito a esse crédito.
O caminho, de acordo com os ministros, seria o da ação anulatória de débito fiscal. O problema é que muitos contribuintes já tinham discussões abertas em embargos à execução fiscal e já não teriam mais prazo para uma nova medida. Com a decisão da 1ª Seção do STJ, decidiram levar a questão à Justiça. A mais recente decisão foi dada pela 8ª Vara Federal de Execução Fiscal do Rio de Janeiro e beneficia uma concessionária de energia. A juíza Livia Maria de Mello Ferreira converteu os embargos à execução em ação anulatória de débito fiscal. No mérito, analisou 22 processos administrativos decorrentes de compensações de PIS e Cofins, referentes ao período de março e abril de 2005, janeiro a março e maio a setembro de 2006 e janeiro a fevereiro de 2007. E julgou procedente em parte o pedido (processo nº 5015945-06.2019.4.02.510).
Christiane Alvarenga, sócia do TozziniFreire Advogados, que defende a concessionária de energia, diz que a juíza reconheceu a mudança de entendimento do STJ e, com base no princípio da economia processual, acatou o pedido. De acordo com ela, ainda existem poucas decisões sobre o tema e muitas ainda são desfavoráveis. “O tema é de relevância para todos os contribuintes. Em muitos casos, já passou o prazo para o ajuizamento de ações anulatórias. Por isso, é importante que o juiz possa, como nesse caso, receber os embargos à execução fiscal como ação anulatória”, afirma a advogada.
Outro caso foi julgado pela 2ª Vara Federal de Execução Fiscal do Rio de Janeiro. Na decisão, a juíza Luiza Lourenço Bianchini afirma que, “amparando-se nos princípios inafastabilidade do acesso ao Poder Judiciário, instrumentalidade das formas, fungibilidade e economia processual, e por não vislumbrar qualquer prejuízo à parte embargada nem a violação de qualquer norma de competência, deve ser deferida, nos presentes autos, a conversão do procedimento especial dos embargos à execução fiscal para o procedimento comum [ação anulatória]”.
O pedido foi ajuizado por uma empresa de tecnologia, que defende a extinção de débitos por meio de compensação que não foi homologada pela Receita Federal. No caso, o mérito ainda não foi julgado pela juíza (processo nº 5077984-68.2021.4.02.5101). Em São Paulo, o juiz Erik Frederico Gramstrup, da 6ª Vara de Execuções Fiscais Federal, também aceitou pedido de conversão. A alteração tem como base o princípio recursal da fungibilidade – possibilidade de admissão de um recurso interposto por outro, que seria o cabível, na hipótese de existir dúvida sobre a modalidade de recurso adequada. Ele entendeu que o STJ mudou de entendimento com o julgamento da 1ª Seção. Destaca que a questão foi analisada, em 2009, no regime dos recursos repetitivos (Tema 294 – REsp 1008343/SP), “sendo firmada tese de que a compensação efetuada pelo contribuinte, antes do ajuizamento do feito executivo, pode figurar como fundamento de defesa dos embargos à execução fiscal”. Ele acrescenta que, quando foram apresentados os embargos pelo contribuinte, prevalecia à época, em maio de 2019, a tese fixada em recurso repetitivo. E que, de acordo com ele, “não fora objeto de revisão pelos meios próprios” (processo nº 5003298-07.2019.4.03.6182). Andrea Mascitto, sócia do Pinheiro Neto, considera essas decisões importantes, por prestigiarem a resolução do mérito. Ela acrescenta que a decisão do STJ instaurou uma grande insegurança para aqueles contribuintes que vinham discutindo compensações em embargos. “Não se pode vedar a resolução da lide no mérito sobretudo àquele que buscou o Judiciário no tempo certo se fiando em precedente anterior repetitivo do STJ”, afirma a advogada. A banca defende os contribuintes nos casos julgados pela 2ª Vara Federal de Execução Fiscal do Rio de Janeiro e 6ª Vara de Execuções Fiscais Federal de São Paulo. Procurada pelo Valor, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional não retornou até o fechamento da edição.
Fonte: Valor Econômico