Por Marina Vieira de Figueiredo
O ano mal começou e inúmeras questões tributárias tomaram conta do noticiário. Dentre elas, destaca-se, mais uma vez, a discussão a respeito das alíquotas da Contribuição ao PIS e da Cofins aplicáveis às receitas financeiras.
No dia 30 de dezembro de 2022, deu-se o primeiro ato: por meio do Decreto nº 11.322/22, essas alíquotas – que eram de 0,65%, para a Contribuição ao PIS, e de 4%, para a Cofins, nos termos do art. 1º do Decreto nº 8.426/15 – foram reduzidas para 0,33% e 2%, respectivamente.
O impacto dessa medida foi estimado em R$ 5,8 bilhões de reais e já se imaginava que o novo governo tomaria providências para afastar tal redução. E foi exatamente o que ocorreu. No dia 2 de janeiro de 2023, deu-se o segundo ato: em edição extra do Diário Oficial da União, foi publicado o Decreto nº 11.374/23, o qual revogou expressamente a redução promovida no fim do ano anterior e restabeleceu a redação do dispositivo que disciplinava as alíquotas dessas contribuições para as receitas financeiras.
Para muitos, a questão estaria resolvida, ou seja, anulou-se imediatamente os eventuais impactos da dita redução, dado que o Decreto nº 11.374/23 entrou em vigor na data da sua publicação (art. 4º). Outros tantos, porém, passaram a questionar – com razão – a legitimidade dessa medida.
Desde logo, é preciso ressaltar que tal questionamento não tem relação com o veículo utilizado para alteração das alíquotas das contribuições. É bem verdade que, como regra, cabe à lei, em observância ao princípio da legalidade (art. 150, I, da Constituição Federal), dispor sobre as alíquotas dos tributos instituídos pelos entes federados (salvo nas hipóteses expressamente previstas no Texto Constitucional, como no art. 153, § 1º).
Em se tratando, porém, de receitas financeiras, o art. 27, § 2º, da Lei nº 10.865/04, autorizou o Poder Executivo a manipular as alíquotas da Contribuição ao PIS e da Cofins (para o regime não cumulativo). Por outro lado, o Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do RE 1.043.313 (Tema 939 de Repercussão Geral), reconheceu a legitimidade dessa medida por entender que tal competência deveria ser exercida dentro dos limites estatuídos na legislação e, portanto, em observância ao princípio da legalidade.
É certo, portanto, que a Corte Suprema, ainda que tenha legitimado, nessa hipótese, a fixação de alíquotas por decreto, não afastou a necessidade de observância aos limites constitucionais no momento da instituição de tributos. E o fato é que, para além do princípio da legalidade, devem os entes tributantes observarem, também, o princípio da anterioridade.
No específico caso da Contribuição ao PIS e da Cofins, aplica-se a chamada anterioridade nonagesimal, nos termos do art. 195, § 6º, da Constituição Federal. Isso significa, portanto, que a majoração de suas alíquotas somente pode produzir efeitos “após decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou modificado”.
O Supremo Tribunal Federal, aliás, reconheceu, no julgamento da ADI 5277 (em 10/12/2020) que os decretos editados pelo Poder Executivo com o objetivo de majorar essas contribuições devem observar a anterioridade nonagesimal. Vejamos a ementa do julgado:
“Ação direta de inconstitucionalidade. Direito Tributário. Princípio da legalidade tributária. Necessidade de análise de cada espécie tributária e de cada caso concreto. Contribuição ao PIS/Pasep e Cofins. Parágrafos 8º a 11 do art. 5º da Lei nº 9.718/98, incluídos pela Lei nº 11.727/08. Venda de álcool, inclusive para fins carburantes. Fixação, pelo Poder Executivo, de coeficientes para reduzir alíquotas dessas contribuições, as quais podem ser alteradas para mais ou para menos, em relação a classe de produtores, produtos ou sua utilização. Presença de função extrafiscal a ser desenvolvida. Anterioridade nonagesimal. Necessidade de observância. […] 4. A majoração da contribuição ao PIS/Pasep ou da Cofins por meio de decreto autorizado submete-se à anterioridade nonagesimal prevista no art. 195, § 6º, da CF/88, correspondente a seu art. 150, III, c. 5. Ação direta de inconstitucionalidade julgada parcialmente procedente, conferindo-se interpretação conforme à Constituição Federal aos §§ 8º e 9º do art. 5º da Lei 9.718/98, incluídos pela Lei 11.727/08, e se estabelecendo que as normas editadas pelo Poder Executivo com base nesses parágrafos devem observar a anterioridade nonagesimal prevista no art. 150, III, c, do texto constitucional.”
Não há dúvida, pois, que, a despeito da peculiaridade do caso – restabelecimento das alíquotas vigentes dias após a sua redução pelo governo anterior –, o princípio da anterioridade nonagesimal deve ser observado. Antes, pois, de decorridos noventa dias da publicação do Decreto 11.374/23, a Contribuição ao PIS e a Cofins devem ser calculadas com base nas alíquotas de 0,33% e 2%, respectivamente, na forma do Decreto 11.322/22.
Essa posição vem sendo acolhida pelo Judiciário em decisões recentes e, dado o posicionamento adotado pelo STF, em casos análogos, é de se supor que o contribuinte terá sucesso ao final da demanda. Resta-nos aguardar o ato final dessa peça.
Fonte: JOTA