Enquanto a UE estuda a sua implementação, o nosso Poder Executivo propôs o oposto: a revogação dos JCP
Por Luiz G. A. S. Bichara e Murillo Allevato
Recentemente a Comissão da União Europeia (UE) publicou a Proposta de Diretiva nº 2022/0154, que regulamenta a dedução de juros calculados sobre o capital das pessoas jurídicas (Debt-Equity Bias Reduction Allowance – DEBRA). O mecanismo consiste na possibilidade de as empresas deduzirem, para fins de apuração do imposto de renda, o montante decorrente da aplicação de determinada taxa de juros (geralmente de longo prazo) sobre o capital das sociedades.
De acordo com sua exposição de motivos, a proposta decorreu da necessidade de estimular a recuperação de empresas dos danos econômicos causados pela pandemia da covid-19. Assim, haveria necessidade de combater o superendividamento em detrimento da capitalização, estimulando investidores institucionais a adquirirem participações societárias. Na UE ocorre justamente o contrário: enquanto os pagamentos de juros sobre as dívidas são dedutíveis do imposto de renda, a remuneração de acionistas por meio de dividendos não é.
Enquanto a UE estuda a sua implementação, o nosso Poder Executivo propôs o oposto: a revogação dos JCP
Conforme o texto da proposta, os juros sobre o capital devem ser apurados mediante: (a) a multiplicação da base de dedução, correspondente à diferença positiva entre o capital próprio no final do ano corrente e o final do ano anterior; pelos (b) juros nocionais, resultantes da taxa de juros sem risco de 10 anos acrescida de 1,0/1,5%, a título de prêmio; e limitados (c) a 30% do Ebitda da empresa.
É interessante notar que o inovador mecanismo proposto pela Comissão da UE vem sendo aplicado no Brasil há mais de 25 anos. Trata-se dos Juros sobre o Capital Próprio (JCP), que tem sido objeto de críticas severas por parte de teóricos tupiniquins, que o perseguem obstinadamente.
No Brasil, os JCP são apurados mediante: (a) a multiplicação do capital; pela (b) Taxa de Longo Prazo; limitados (c) a 50% dos lucros/reserva de lucros. O seu pagamento é dedutível do lucro real e tributável pelo IRRF à alíquota de 15% ou 25% (paraísos fiscais).
Os JCP foram estabelecidos pela mesma lei que extingui a correção monetária dos balanços para fins fiscais, diante da estabilização da moeda decorrente do Plano Real. Enquanto o valor correspondente à correção monetária sobre os empréstimos permaneceria dedutível da base de cálculo do IRPJ/CSLL, a correção monetária sobre o capital já não se prestava como neutralização para fins fiscais. De modo a evitar tal distorção e atrair investimento em capital, o legislador estipulou os JCP.
De acordo com a exposição de motivos da Lei nº 9.9249/95, “a dedução de juros pagos ao acionista, deverá provocar um incremento das aplicações produtivas nas empresas brasileiras capacitando-as a elevar nível de investimentos, sem endividamento, com evidentes vantagens no que se refere à geração de empregos e ao crescimento sustentado da economia”.
Em que pese possuírem bases de apuração distintas, os juros sobre o capital propostos pela UE e os JCP em vigor no Brasil possuem o mesmo objetivo de (i) estimular a manutenção e o investimento de recursos na companhia; e (ii) incentivar os sócios a aportarem recursos na sociedade, ao invés de recorrerem a empréstimos, que são muito mais voláteis e trazem outras consequências econômicas indesejáveis.
Enquanto a UE estuda a sua implementação, especialmente em um cenário de inflação, juros altos, potencial crise energética e recessão, o nosso Poder Executivo propôs o oposto: a revogação dos JCP.
O PL nº 2.337/21, pretensa fatia da Reforma Tributária (aprovada na Câmara dos Deputados), revoga a dedutibilidade dos JCP. De acordo com sua Exposição de Motivos, o endividamento continuaria “a forma mais atrativa de financiamento de expansão empresarial, contrariando a ideia de que a medida aumentaria a atratividade de investimento em capital em detrimento de investimentos no mercado financeiro”.
Além da ausência de base empírica para corroborar a afirmação de que os JCP são neutros quanto a atratividade de investimento em capital, ainda que o endividamento seja a ele superior, não haveria pior momento para se proceder com a sua revogação. Diante da inflação de dois dígitos, as empresas estão enfrentando altos custos para suportar as dívidas contraídas no passado. Tal cenário é ainda mais alarmante para as captações de empréstimos em moeda estrangeira, em virtude da desvalorização do Real.
É dizer, pretende-se extinguir os JCP logo quando são mais necessários. A elevada taxa de juros desestimula o aporte em capital, visto que a renda fixa, geralmente mais segura, pode a ser também mais rentável. Nesse contexto, os JCP incentivam os empresários a manterem recursos nas sociedades, pois quanto maior o capital, maior será a base para sua apuração e distribuição. Portanto, qualquer revogação de estímulo à capitalização deveria ser de plano, rejeitada, sob pena de agravamento do quadro atual.
O próprio Ministério da Economia, no Requerimento de Informação nº 274/2015, esclareceu que não são favoráveis à economia nacional ações que visem desestimular o retorno (ao exterior) do capital investido, tal como se verificaria com o fim dos JCP, concluindo que “medidas dessa natureza são contraproducentes, pois tendem a desestimular o ingresso de novos investimentos estrangeiros no país.”
Além do PL nº 2.337/21, há atualmente 14 projetos de lei no Congresso Nacional propondo a revogação dos JCP. Todos eles partem de um pressuposto ilógico e ultrapassado, tanto assim que, como demonstrado, instrumento semelhante passa a ser, justamente agora, implementado na Europa. É como dizia Millôr Fernandes: “quando uma ideologia fica bem velhinha, ela vem morar no Brasil”.
Fonte: Valor Econômico