A atividade imobiliária e os efeitos dos ganhos de AVJ

Quais serão os efeitos tributários decorrentes da adoção do critério contábil de avaliação a valor justo?

Por Alexandre Herlin

mbora não se trate de tema novo, questões têm sido suscitadas no que concerne aos efeitos tributários decorrentes da adoção do critério contábil de avaliação a valor justo (AVJ) de ativos por empresas dedicadas à atividade imobiliária que ainda mantenham os bens imóveis de sua propriedade registrados pelo valor de aquisição.

Deveras, conquanto as normas de escrituração e elaboração das demonstrações financeiras introduzidas pela Lei 11.638/2007, que objetivaram incorporar à legislação nacional os padrões internacionais de contabilidade, sejam de observância obrigatória apenas para companhias abertas e sociedades de grande porte, é facultada a sua adoção também por parte de companhias fechadas e sociedades limitadas não consideradas de grande porte que desejem refletir a sua situação patrimonial com maior comparabilidade e qualidade.

Dentre os novos critérios de mensuração de elementos patrimoniais trazidos pela Lei 11.638/2007, inclui-se o da AVJ de ativos e passivos, que passou a coexistir com o método do custo histórico de aquisição em relação às empresas obrigadas ou aderentes às novas regras.

Diferentemente do custo de aquisição, que corresponde ao montante efetivamente despendido em uma transação, o valor justo possui acepção mais abrangente, sendo definido como “o preço que seria recebido pela venda de um ativo ou que seria pago pela transferência de um passivo em uma transação não forçada entre participantes do mercado na data de mensuração” (Pronunciamento Técnico CPC nº 46/2012).

Sob a perspectiva contábil, as contrapartidas de aumentos ou diminuições de valor de ativos em decorrência de AVJ, enquanto não computadas no resultado do exercício, devem ser contabilizadas em rubrica de patrimônio líquido (“ajustes de avaliação patrimonial”).

Já do ponto de vista tributário, desde o início do processo de convergência às normas internacionais de contabilidade, foram criados mecanismos de ajuste para que os novos métodos e critérios contábeis introduzidos pela Lei 11.638/2007 não acarretassem impactos tributários.

Naquele momento inicial, os registros da anulação dos efeitos decorrentes desses ajustes, para fins de determinação do lucro real e da base de cálculo da CSLL, eram processados por meio de adições e exclusões do lucro líquido, controladas em livro fiscal, no contexto do Regime Tributário de Transição (RTT).

Com o advento da Lei 12.973/2014, que adaptou a legislação tributária federal aos novos padrões contábeis, revogando o RTT, a neutralidade tributária subjacente a esse regime foi preservada, passando-se, contudo, a conferir tratamento tributário definitivo aos efeitos decorrentes da AVJ, de modo semelhante ao que até então era praticado, mas com a obrigação adicional de se manter o controle dos respectivos valores em subconta específica vinculada ao ativo que lhe deu origem.

E não poderia ser diferente, pensamos nós, pois o fato gerador do IRPJ, nos termos do art. 43 do Código Tributário Nacional (CTN), é a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica da renda ou proventos de qualquer natureza, tendo como pressuposto, para sua conformação, a existência de efetivo acréscimo patrimonial, o que não ocorre no caso do reconhecimento contábil dos efeitos da AVJ, que apenas reflete a expectativa potencial de ganho na realização de um ativo e não a sua própria realização.

Diante disso, estabeleceu-se que os ganhos decorrentes de AVJ não devem ser computados na determinação do lucro real e da base de cálculo da CSLL no momento que forem registrados contabilmente, desde que os respectivos aumentos de valor sejam evidenciados em subconta específica vinculada ao ativo, devendo as contrapartidas dos ajustes decorrentes do novo custo atribuído serem lançadas a crédito de conta do patrimônio líquido.

Nesse ponto, embora questionável, por revestir a natureza de mera obrigação acessória, insuscetível de deflagrar fato gerador do IRPJ em razão do seu descumprimento[1], o certo é que, de acordo com a mencionada regra, a ausência de evidenciação do AVJ em subconta vinculada ao ativo que lhe deu origem implicará exigência de tributação imediata do ganho de capital, independentemente da sua efetiva realização.

Por outro lado, estando o aumento do valor do ativo refletido em subconta específica a este vinculada, o ganho de AVJ somente deve ser computado na apuração das bases de cálculo dos aludidos tributos à medida em que o ativo for realizado, inclusive por meio de depreciação, alienação ou baixa.

Registram-se, no entanto, algumas situações excepcionais em que, mesmo havendo a realização do ativo, há diferimento na tributação dos ganhos de AVJ, tal como ocorre:

1. na permuta de unidades imobiliárias, em que a parcela do lucro bruto decorrente de AVJ das unidades permutadas deverá ser computada na determinação do lucro real e da base de cálculo da CSLL apenas quando o imóvel recebido em permuta for alienado;

2. na incorporação, fusão ou cisão, em que os ganhos de AVJ apurados na sucedida e transferidos para a sucessora deverão ter o mesmo tratamento tributário que teriam na sucedida, não podendo, contudo, ser considerados pela sucessora como integrante do custo do ativo que lhe deu causa, para efeito de determinação de ganho ou perda de capital e do cômputo da depreciação;

3. na integralização do bem que lhe deu causa em subscrição de capital social ou em valores mobiliários emitidos por outra pessoa jurídica, quando o ganho não será tributado imediatamente, desde que evidenciado contabilmente em subconta vinculada à participação societária, com discriminação do referido bem, em condições de permitir a determinação da parcela realizada em cada período.

Não se pode perder de vista, por outro lado, que, mesmo tendo sido adotado o critério contábil sob exame, havendo redução de capital mediante a entrega a sócio ou acionista, por valor contábil, de ativo avaliado com base no valor justo, há fundamento para sustentar-se que não caberia a tributação do ganho decorrente da AVJ, tendo em vista que esse tipo de operação, expressamente admitido pelo art. 22 da Lei 9.249/95, não gera para a transmitente acréscimo patrimonial suscetível de materializar fato gerador do IRPJ.

Aliás, reforça essa compreensão o fato de que o § 6º do art. 32 da Lei 8.981/95, ao tratar da apuração desse imposto por estimativa, determina, para fins de tributação do ganho de capital auferido na alienação de bens e direitos do ativo não circulante, que os ganhos decorrentes de AVJ não serão considerados parte integrante do valor contábil[2].

Mister advertir, no entanto, que a Coordenação-Geral de Tributação, por meio da Solução de Consulta nº 415/2017, manifestou entendimento no sentido de que, nas situações em que o ativo estiver avaliado pelo valor justo, o seu valor contábil deve incluir o ganho de AVJ e, sendo assim, quando da realização deste ativo, mediante a sua transferência aos sócios ou acionistas em redução de capital, esse aumento de valor do ativo, que anteriormente havia sido excluído na determinação do lucro real e da base de cálculo da CSLL, deverá ser adicionado para efeito de apuração desses tributos.

Diante do acima exposto, conclui-se que, no caso de empresa dedicada à atividade imobiliária que, mesmo estando desobrigada, pretenda observar as normas de escrituração e elaboração das demonstrações financeiras introduzidas pela Lei 11.638/2007, passando a adotar critério contábil de AVJ dos ativos de sua propriedade:

1. os ganhos na AVJ de ativos não deverão ser computados na determinação do lucro real e da base de cálculo da CSLL no momento que forem registrados contabilmente, desde que evidenciados em subconta específica vinculada ao ativo, devendo ser oferecidos à tributação apenas na medida em que o ativo venha ser realizado, inclusive por meio de depreciação, alienação ou baixa;

2. nas situações excepcionais de permuta de unidades imobiliárias, incorporação, fusão ou cisão, e integralização de bem em subscrição de capital social ou em valores mobiliários emitidos por outra pessoa jurídica, mesmo se materializando a realização do ativo, os ganhos de AVJ que lhe correspondam não deverão ser computados imediatamente na determinação do lucro real e da base de cálculo da CSLL, ficando essa tributação, em regra, diferida para o momento da posterior realização do ativo.

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[1] Sobre o assunto, a jurisprudência atual do CARF tem oscilado, ora afastando a tributação do ganho de capital, quando presentes elementos que permitam identificar a AVJ e os seus efeitos (vide Acórdãos nos 1402-003.589, de 21.11.2018; e 1401-003.873, de 11.11.2019), ora admitindo essa tributação (vide Acórdão nº 1301-004.091, de 17.09.2019).

[2] Nesse sentido, inclusive, vide orientação dada pela Receita Federal no item 66 do “Perguntas e Respostas da Receita Federal (IRPJ 2017)”, e Acórdão DRJ/FNS nº 39.555, de 31.03.2017.

Fonte: CONJUR

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