O mercado imobiliário historicamente tem seu desempenho atrelado à conjuntura econômica do país – tanto por demandar investimentos significativos, como por ter sua performance diretamente vinculada à taxa de juros, viabilidade de acesso a crédito seguro e consistente e outorga de incentivos governamentais. Nesse contexto, as normas jurídicas são determinantes para criação de ambiente favorável ao desenvolvimento e consolidação do setor.
O regramento aplicável ao mercado foi se aprimorando para fazer frente a operações cada vez mais complexas. Esse aperfeiçoamento foi significativo no tratamento dispensado ao parcelamento do solo: do entendimento inicial de que a existência de áreas públicas no loteamento garantiria amplo e livre acesso a qualquer pessoa, com a edição da Lei nº 13.465/17 passou-se a admitir não apenas o controle do acesso nos loteamentos (loteamento de acesso controlado) como a própria criação do condomínio de lotes – pacificando a histórica discussão que contrapunha o direito à liberdade de acessar áreas públicas (existentes dentro dos loteamentos) com o direito à propriedade (que permitiria a restrição de acesso de terceiros não autorizados às áreas privadas).
A segurança na adoção do RET-Incorporação pelos condomínios de lotes representa conquista significativa
A normatização do condomínio de lotes foi importante devido aos diferentes posicionamentos que ora equiparavam o instituto ao loteamento (incidindo obrigações específicas ao empreendedor), ora o consideravam como instrumento jurídico autônomo com regramento similar ao das incorporações imobiliárias.
Essa dicotomia foi enfrentada pela Receita Federal na Solução de Consulta Cosit nº 196/2015, em que o Fisco entendeu que o regime das incorporações (Lei nº 4.591/1964) seria exclusivo para empreendimentos em que exista a “construção de edificação ou conjunto de edificações compostas de unidades autônomas e o incorporador como sendo aquele que compromisse ou efetive a venda de frações ideais de terreno, objetivando sua vinculação àquelas unidades autônomas nas edificações a serem construídas ou em construção sob regime de condomínio”.
A incorporação visaria a construção de edificações compostas de unidades autônomas, enquanto nos condomínios de lotes não haveria uma unidade autônoma a ser alienada, senão uma mera divisão de terra em unidades independentes, típica de parcelamento de solo.
Assim, não haveria a possibilidade de constituição do patrimônio de afetação e tampouco a possibilidade de adesão ao Regime Especial de Tributação (RET), previsto na Lei nº 10.931/2004 e regulamentado pela Instrução Normativa RFB nº 1.435/2014, que seria exclusivo para as incorporações propriamente ditas.
Ocorre que a realidade econômica invariavelmente encontra caminhos para adaptar-se à legislação. Assim, buscando viabilizar a adoção do RET e afastar-se do regramento dos loteamentos, diversos empreendimentos estruturavam-se como condomínios horizontais de unidades projetadas, sob o regime de incorporação. Tratando-se de edificações autônomas apenas projetadas, mas não construídas, bastava que o adquirente solicitasse ao poder público a alteração do projeto inicial, acabando por caracterizar, na prática, um condomínio de lotes, com as edificações sendo de responsabilidade de cada condômino.
Ocorre que, com a extensão do regime jurídico dos condomínios edilícios aos condomínios de lotes admitida pela Lei nº 13.465/2017, parte substancial da doutrina passou a defender a possibilidade de adesão ao RET-Incorporação para os condomínio de lotes, inobstante a Receita Federal não ter revogado sua decisão anterior. Essa interpretação passou a ser defendida por muitos empreendedores perante o Fisco para pleitear a benesse tributária, na maior parte dos casos com sucesso.
Para eliminar qualquer resquício de dúvida acerca do tratamento tributário dado a esses empreendimentos, em 27 de dezembro de 2021 houve mais um salutar avanço, com a edição da Medida Provisória nº 1.085. Essa norma, dentre outros temas, consolidou significativas alterações ao regime jurídico do condomínio de lotes, estendendo de forma expressa a aplicação do regime jurídico das incorporações, equiparando, por fim, o empreendedor ao incorporador.
Ainda que, à primeira vista, o âmbito dessa equiparação seja restrito a aspectos civis e registrários, as modificações implementadas na Lei nº 4.591/64 – que, ao prever as obrigações e direitos do incorporador, passou a dispor que frações ideais de terrenos e acessões configuram “unidades autônomas” (artigo 32) – corroboram a interpretação pela aplicação do regime jurídico das incorporações imobiliárias ao condomínio de lotes, incluindo todas as obrigações e direitos a ele vinculadas. O benefício primário dessa equiparação, sem dúvidas, é a viabilização da adesão ao RET-Incorporação por tais empreendimentos.
A segurança na adoção do RET-Incorporação pelos condomínios de lotes – com tributação federal simplificada e incentivada em alíquota única de 4% – representa conquista significativa. Além de corrigir o tratamento desigual concedido a empreendedores em situações idênticas, a redução da carga tributária contribui não apenas para o aumento da oferta de imóveis residenciais, mas para o próprio progresso econômico, considerando a extensão da cadeia produtiva da construção civil, figurando como importante fator de desenvolvimento social.
Por Cecília Natucci e Marcelo Diniz Barbosa
Fonte: Valor Econômico