“Nosso time só tinha a gente e nossa vontade de jogar futebol”, conta-nos Luis Fernando Verissimo. “Futebol se joga na praia, futebol se joga na rua, futebol se joga na alma”, brinda-nos Carlos Drummond de Andrade com sua poesia. Só mesmo os grandes escritores e poetas para captar a essência desse esporte.
Que o futebol é uma paixão nacional, isso ninguém discute. Parece ser um consenso também a necessidade de adaptação da tributação à realidade do futebol: o setor, erigido pela Constituição, ao lado dos demais desportos, a um tratamento diferenciado, dada a sua dimensão cultural, tem grande potencial de geração de lucros, mas passa por dificuldades históricas, ora agravadas pela pandemia.
E eis que é aprovada a Lei da Sociedade Anônima do Futebol (SAF — Lei 14.193/2021), que prevê a possibilidade de um regime de tributação específico para tais sociedades, com o recolhimento unificado de tributos, como IRPJ, CSLL, PIS, Cofins, contribuições previdenciárias da empresa e contribuições individuais, entre outros. Nos cinco primeiros anos, a alíquota será de 5% sobre o total das receitas efetivamente recebidas no período, à exceção das receitas relativas à cessão dos direitos desportivos dos atletas. Nos anos subsequentes, a alíquota é reduzida a 4%, incluídas aquelas receitas de cessão dos direitos.
E a lei prioriza, também, a apresentação de propostas de transação tributária, possibilitando ao clube ou pessoa jurídica original com passivos tributários anteriores à constituição da SAF não incluídos em programas de refinanciamento que negociem seus débitos à luz de modalidades de transação em curso, com a concessão de descontos de multa e juros, entre elas:
a) Proposta individual por contribuintes com dívida ativa superior a R$ 15 milhões, com descontos de até 70% e parcelamento em até 145 vezes;
b) Transação por adesão, para débitos inscritos ou não em dívida ativa, a depender da publicação de edital;
c) Dívida ativa de pequeno valor, com entrada e desconto de 30% a até 50% sobre o valor total, com o parcelamento de sete a 55 meses, adesão até 25/2/2022;
d) Transação extraordinária, de débitos inscritos em dívida ativa da união, sem descontos, com entrada e saldo restante em até 142 parcelas, adesão até 25/2/2022;
e) Transação excepcional, de débitos inscritos em dívida ativa da União, com entrada e saldo restante em até 133 meses, com descontos de até 100% sobre os valores de multa, juros e encargos, respeitado o limite de até 70% do valor da dívida e a capacidade de pagamento do contribuinte, adesão até 25/2/2022;
f) Transação na dívida ativa do FGTS para débitos de até 70% e pagamento em até 144 prestações, adesão até 28/2/2022.
O tratamento tributário específico oferecido pela Lei da SAF tem dupla finalidade. A primeira é adequar-se à realidade da atividade desportiva, que até então, por meio das associações civis, sofre uma injusta carga tributária. A segunda é atrair justamente essas entidades para o novo modelo, mais organizado e transparente. Bom para todos, Fisco e contribuintes.
Voltando ao nosso ponto de partida, com a mesma genialidade de Verissimo e Drummond, o cineasta Pier Paolo Pasolini, pós-Copa de 70, comparou o futebol europeu à prosa, com a execução racional do código, e o sul-americano à poesia, baseado na criatividade dos jogadores.
Se é certo que a prosa pode gerar grandes resultados, a poesia pode nos surpreender. E se o Direito Tributário, informado pelo princípio da estrita legalidade, é a “prosa” a que todos os contribuintes estão adstritos, a transação tributária é a “poesia” que, dentro dos parâmetros da legalidade, pode abrir caminhos inovadores, mediante concessões mútuas, para pôr fim às avenças tributárias. Enfim, um jogo em que todos ganham: o Fisco tem um incremento de arrecadação e os contribuintes têm suas dívidas regularizadas, em um cenário marcado pela transparência e colaboração.
Futebol, tributação, transação, transparência. Deixemos as palavras aos cronistas e poetas, que, com elas, como ninguém sabem lidar. E o tempo se encarregará de nos dizer os caminhos e resultados que essa nova realidade irá nos trazer. Os próximos versos hão de ser promissores.
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Por Suzana Soares Melo e Tullo Cavallazzi Filho
Revista Consultor Jurídico