Em janeiro deste ano entrou em vigor a Lei 13.964, popularmente conhecida como Projeto Anticrime, idealizado pelo então ministro da Justiça, Sérgio Moro. A referida lei trouxe inúmeras e importantes alterações legislativas, algumas criticáveis, outras positivas e necessárias.
Uma dessas alterações interessantes foi a introdução do acordo de não persecução penal (ANPP) no Código de Processo Penal, mais precisamente no seu artigo 28-A. Anteriormente, o acordo possuía natureza infralegal, através da Resolução nº 181/2017, editada pelo Conselho Nacional do Ministério Público
O ANPP torna-se mais uma ferramenta para fortalecer a Justiça penal negociada no país [1], somando-se a institutos como a transação penal e a suspensão condicional do processo (Lei 9.099/95), além da colaboração premiada (12.850/13). Busca-se, assim, desafogar o Poder Judiciário, atribuindo mais uma possibilidade de negociação entre Ministério Público e investigados.
Em apertada síntese, o ANPP poderá ser proposto pelo Ministério Público quando não for caso de arquivamento do procedimento investigativo, ou seja, quando existirem indícios suficientes para oferecer denúncia. Além disso, o fato não pode envolver violência ou grave ameaça e a pena mínima prevista para o crime não pode ser superior a quatro anos.
Portanto, prima facie, é possível a celebração de ANPP em todos os processos criminais que envolvam delitos cometidos contra a ordem tributária [2].
Superados os requisitos formais para celebração do acordo, o investigado deve: a) confessar a prática delitiva [3]; b) reparar o dano, salvo a impossibilidade de fazê-lo; c) renunciar a bens e direitos relacionados como produto da atividade criminosa; d) prestar serviço à comunidade; e) pagar prestação pecuniária; e f) cumprir outra eventual condição proposta pelo Ministério Público.
Todos esses requisitos precisam constar no termo de formalização do acordo. Em contrapartida, o benefício recebido pelo investigado é o de extinção da sua punibilidade.
E a partir daqui verificamos três possíveis estratégias defensivas para pontuar neste artigo.
Primeiro, a extinção da punibilidade em processos que envolvem crimes tributários pode ser alcançada a qualquer tempo, desde que o dano seja integralmente reparado, nos termos do artigo 9º, § 2º, da Lei nº 10.684/2003 [4]. Assim, caso o investigado ou acusado tenha condições de quitar integralmente o débito, a punibilidade será extinta, independentemente do cumprimento de qualquer outro ônus, diferentemente de todas as demais obrigações que seriam necessárias cumprir caso celebrado o ANPP.
Segundo, o ANPP estabelece que o dano deve ser integralmente reparado, salvo a impossibilidade de fazê-lo. Portanto, quando o investigado estiver comprovadamente descapitalizado, o acordo poderá ser uma alternativa interessante, pois pode ser celebrado ainda que o investigado não tenha condições de quitar a dívida em sua integralidade, permitindo que o investigado consiga afastar os graves efeitos de uma sentença condenatória em âmbito penal.
Por derradeiro, há quem defenda a tese de que o ANPP deveria ser formalizado independentemente de qualquer reparação, uma vez que o Estado possui condições de obter a reparação do dano por meio de execução fiscal, não devendo atribuir esta função ao Processo Penal, que deve manter sua natureza fragmentária.
Ocorre que o Ministério Público não tem o dever de oferecer o ANPP. O artigo 28-A é claro ao estabelecer que, caso preenchidos os requisitos básicos, o órgão ministerial pode fazê-lo. Trata-se, portanto de um negócio jurídico em que se busca um “ganha-ganha”. Se por um lado o investigado busca afastar os efeitos de uma sentença condenatória, por outro lado o Ministério Público busca a reparação de eventual lesão causada aos cofres públicos.
Guardadas as devidas proporções, mas à semelhança do que já ocorre nos termos de colaboração premiada, o negócio precisa ser atrativo para ambas as partes, sob pena de órgão acusador não manifestar interesse em celebrar o acordo.
Tratando-se de um tema tão recente, ainda há muita discussão pela frente. De todo modo, precisamos nos antecipar às possíveis estratégias defensivas. Afinal, em tempos de crise, certamente muitas pessoas, físicas e jurídicas, terão dificuldades em honrar seus compromissos com o Fisco, o que deve aumentar consideravelmente o número de procedimentos envolvendo crimes tributários nos próximos meses.
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[1] Artigo escrito por Aury Lopes Jr. e Higyna Josita. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-mar-06/limite-penal-questoes-polemicas-acordo-nao-persecucao-penal. Acesso em: 21/5/2020.
[2] Deve-se fazer a ressalva de que o acordo não poderá ser celebrado “se o investigado for reincidente ou se houver elementos probatórios que indiquem conduta criminal habitual, reiterada ou profissional, exceto se insignificantes as infrações penais pretéritas, ou se tiver sido o agente beneficiado nos 5 (cinco) anos anteriores ao cometimento da infração, em acordo de não persecução penal, transação penal ou suspensão condicional do processo”, nos termos do artigo 28-A, § 2º, incisos II e III.
[3] “1. Com o advento da Lei 10.684/2003, no exercício da sua função constitucional e de acordo com a política criminal adotada, o legislador ordinário optou por retirar do ordenamento jurídico o marco temporal previsto para o adimplemento do débito tributário redundar na extinção da punibilidade do agente sonegador, nos termos do seu artigo 9º, § 2º, sendo vedado ao Poder Judiciário estabelecer tal limite. 2. Não há como se interpretar o referido dispositivo legal de outro modo, senão considerando que o pagamento do tributo, a qualquer tempo, até mesmo após o advento do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, é causa de extinção da punibilidade do acusado”. (HC 362.478/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, j. em 14-9-2017, DJe 20-9-2017).
[4] Importante mencionar que “apesar de pressupor sua confissão, não há reconhecimento expresso de culpa pelo investigado. Há, se tanto, uma admissão implícita de culpa, de índole puramente moral, sem repercussão jurídica. A culpa, para ser efetivamente reconhecida, demanda o devido processo legal”. (CUNHA, Rogério Sanches. Pacote Anticrime – Lei n. 13.964/2019: Comentários às alterações do CP, CPP e LEP. Salvador: Editora Juspodium, 2020. p. 129).
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Por Gasparino Corrêa, advogado criminalista.
Revista Consultor Jurídico