Quando se fala em estrutura de capital quer-se referir às formas pelas quais a pessoa jurídica financia a sua operação. A compra de matéria prima, de máquinas e de equipamentos, a contratação de mão de obra, diretamente ou de maneira terceirizada, e a contratação do uso de bens e direitos podem ser financiadas com recursos dos sócios (capital próprio), de financiadores externos (credores, inclusive fornecedores) ou com recursos gerados pela própria atividade econômica (lucro).
Neste último caso, o lucro também se configura como um direito dos sócios (investidores), pois se trata da remuneração do capital inicialmente investido (capital social). Por deliberação dos sócios ou de determinação legal, esse lucro ou parte dele pode ser retido para financiar a operação da pessoa jurídica, seja como reinvestimento do respectivo caixa efetivamente, seja como garantia para captação de recursos de terceiros, tendo em vista que o lucro retido (não distribuído como dividendo aos sócios) aumenta a parcela de capital próprio naquele financiamento.
Pensando na finalidade precípua da pessoa jurídica, qual seja, o desenvolvimento de uma atividade econômica de maneira organizada – não considerando, portanto, as pessoas jurídicas constituídas para propiciar a substituição do “salário” como remuneração dos sócios-executores –, é raro (e em situações específicas) vislumbramos os extremos com relação aos dividendos: retenção total dos lucros ou distribuição integral dos lucros. No primeiro caso, os sócios não serão remunerados pelo capital investido; no segundo, há maior exposição dos credores, que perdem ao menos parte da sua garantia.
A distribuição de dividendos também interfere no relacionamento da pessoa jurídica com seus funcionários e colaboradores, com seus clientes, especialmente dos órgãos públicos, e, como mencionado, com seus fornecedores (que são também credores).
A pressão exercida por esses “stakeholders” em defesa dos seus interesses perante os contratos com a pessoa jurídica tende a equilibrar a medida dos lucros a serem pagos aos sócios como dividendos.
Assim, obviamente, a tributação dos dividendos impacta o relacionamento da pessoa jurídica com seus “stakeholders”, bem como influencia a sua estrutura de capital, como já comentei aqui.
A manutenção da tributação sobre o lucro da pessoa jurídica (antes, portanto, da distribuição dos dividendos) gera um “benefício fiscal” para a tomada de recursos de credores (terceiros externos), conhecido como “tax shield”. Esse efeito decorre da dedutibilidade dos juros (remuneração dos credores): como a respectiva despesa financeira é dedutível na apuração do lucro tributário, há redução do respectivo imposto a pagar, ou seja, parte dos encargos com juros não são assumidos integralmente pela pessoa jurídica (ou seus sócios), mas repartido entre toda a sociedade.
Em tese, trata-se de um efeito positivo para a pessoa jurídica e para a própria sociedade, pois contribui para viabilizar o desenvolvimento da atividade econômica, gerando riqueza, emprego e mais tributos (sobre o consumo). No entanto, mesmo o “tax shield” encontra limites na pressão dos “stakeholders”, haja vista que um imposto sobre a renda da pessoa jurídica muito alto prejudicaria os sócios, os funcionários, os clientes etc.
O principal desafio de um projeto que proponha a tributação dos dividendos é exatamente encontrar o equilíbrio do respectivo tributo com os demais interesses da pessoa jurídica e de seus “stakeholders”. Trata-se de uma investigação complexa, como a concebeu Edgar Morin.
Professor doutor da FEA-USP, do CEU-IICS Escola de Direito e da FGV Direito SP, titular da Academia Paulista de Letras Jurídicas
Fonte: Valor Econômico