Para o órgão, gestor perde benefício fiscal se houver participação societária em empresa
Por Bárbara Pombo, de São Paulo
A Receita Federal publicou posicionamento desfavorável aos fundos patrimoniais, também conhecidos como “endowments”. Entendeu que essas organizações, constituídas para gerir patrimônio e destinar os rendimentos para instituições filantrópicas, não possuem imunidade tributária – ou seja, devem recolher tributos.
A decisão consta na Solução de Consulta nº 178, publicada no fim de setembro pela Coordenação-Geral de Tributação (Cosit). Os auditores fiscais ficam obrigados a seguir o entendimento durante as fiscalizações.
Para a Receita, a previsão da Constituição Federal que proíbe taxar as instituições sem fins lucrativos ligadas à educação, saúde ou assistência social não se aplica aos fundos que gerem as doações destinadas a elas. “As instituições apoiadas e as organizações gestoras de fundos patrimoniais são pessoas jurídicas distintas, cada qual com seu respectivo tratamento tributário”, afirma o órgão na solução de consulta.
No texto, a Receita vai além e analisa ainda a isenção prevista no artigo 15 da Lei nº 9.532, de 1997, restringindo sua aplicação. No entendimento do órgão, os fundos patrimoniais perdem o benefício se tiverem participação societária direta em empresas. “A participação da entidade em sociedade de natureza empresária desnatura a sua finalidade não econômica e impede a fruição da isenção”, diz.
A resposta não foi bem recebida pelo mercado. “É um desestímulo. O desconto do imposto reduz a capacidade da aplicação do recurso nos projetos de interesse público”, afirma advogada Priscila Pasqualin, que atua em filantropia e investimento social.
Segundo Paula Fabiani, CEO do Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (Idis), o entendimento da Receita tira o incentivo para que entidades de saúde, educação e assistência social criem organizações segregadas para administrar as doações a partir do investimento no mercado financeiro. Essa separação, segundo Paula, dá mais segurança aos doadores.
“É um posicionamento que pode desestimular as doações para fundos patrimoniais, além de ir contra a legislação da maioria dos países”, diz. De acordo com levantamento do Idis, países como Índia, África do Sul e Rússia isentam os investimentos de fundos que destinam recursos para entidades filantrópicas.
Atualmente, o Brasil tem pelo menos 35 fundos patrimoniais, de acordo com mapeamento do instituto. A maior parte (18 deles) aloca os rendimentos em projetos de educação. Os cinco maiores têm aportes de bilhões de reais.
Os fundos patrimoniais são regulados pela Lei nº 13.800, de 2019. Mas, segundo especialistas, a questão tributária não foi tratada na norma, o que tem gerado dúvidas. A ideia desses fundos é captar recursos privados para causas públicas e administrá-los para que garantam sustentabilidade a essas ações no longo prazo.
Ao contrário de outros países, a lei brasileira exige que o valor principal do investimento seja preservado e que somente os rendimentos sejam aplicados na instituição sem fins lucrativos.
Os fundos estão sujeitos à regra geral de tributação de aplicações financeiras: alíquota variável de 15% a 22,5% do Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) e 4% de Cofins. Possuem isenção sobre outros tributos, como o Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e a CSLL, que não vale, porém, de acordo com a Solução de Consulta nº 178, se tiverem participação societária direta em empresas.
Priscila Pasqualin afirma que o entendimento limita o cardápio de investimentos à disposição dos fundos. De acordo com ela, é comum que as organizações gestoras recebam doação de ações ou mútuo conversível em participação acionária.
“As organizações terão que rever suas carteiras de investimentos para ver se estão correndo riscos. E avaliar se saem da sociedade ou entram na Justiça para discutir essa questão”, afirma a advogada, que é sócia do escritório PLKC Advogados.
Ao contrário do que normalmente acontece, as respostas da Receita Federal não vieram a partir de perguntas feitas por um contribuinte. Quem pediu os esclarecimentos sobre a tributação de fundos patrimoniais foi a Subsecretaria de Inovação da Secretaria de Desenvolvimento da Indústria, Comércio, Serviços e Inovação do Ministério da Economia.
A pasta é uma das articuladoras da Estratégia Nacional de Investimentos e Negócios de Impacto (Enimpacto), que visa a melhoria no ambiente de negócios e fomento de empreendimentos que gerem impacto socioambiental. Ainda existe dúvida, segundo Priscila Pasqualin, se os fundos patrimoniais podem ou não investir em negócios de impacto.
Fonte: Valor Econômico