Por Beatriz Olivon e Joice Bacelo — De Brasília e do Rio
Três anos depois de os contribuintes vencerem, no Superior Tribunal de Justiça (STJ), a disputa bilionária sobre o que pode ser considerado insumo para a obtenção de créditos de PIS e Cofins, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiram também analisar a questão. O julgamento, marcado para esta semana, no Plenário Virtual, coloca em risco todas as conquistas obtidas no Judiciário e na esfera administrativa.
Em 2018, a 1ª Seção do STJ, em recurso repetitivo (REsp 12211 70), afastou, por maioria de votos, a interpretação restritiva adotada pela Receita Federal. Para os ministros, deve-se levar em consideração a importância – essencialidade e relevância – do insumo para a atividade do empresário.
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De lá para cá, os contribuintes obtiveram várias vitórias. Foram considerados insumos taxas cobradas por marketplaces e shoppings centers, gastos com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), taxas de cartão de crédito, sucata e despesas nos portos (para empresa que atua no comércio exterior).
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A discussão é muito relevante. Na época do julgamento no STJ, estimava-se que o impacto para a União na arrecadação anual poderia chegar a R$ 50 bilhões. A “posição intermediária” adotada pelos ministros, porém, reduziu esse prejuízo, apesar de beneficiar os contribuintes.
Seja na Justiça ou na esfera administrativa, cada item é analisado para ver se pode ser enquadrado no entendimento do STJ. Nem sempre o retorno é positivo. Contribuintes já perderam algumas disputas no Judiciário, especialmente sobre a discussão envolvendo máscaras e álcool em gel.
A 3ª Vara Federal de Sorocaba (SP) negou o pedido de um comércio de materiais elétricos. Para a juíza Sylvia Marlene de Castro Figueiredo, deve-se levar em conta a ideia de insumos diretamente relacionados à realização da atividade-fim da empresa, o que não se verifica no caso de despesas realizadas para a adoção de medidas de combate à pandemia (processo nº 5003996-98.2020.4.03.6110).
A decisão foi dada antes de uma orientação da Receita Federal sobre o tema. Na sexta-feira, o órgão publicou uma solução de consulta, de nº 164, com posição restritiva. No texto, a Coordenação-Geral de Tributação (Cosit) afirma que máscaras e álcool em gel só podem ser considerados insumos se forem fornecidos a funcionários que atuam na área de produção de indústrias. Quando destinados a trabalhadores de área administrativa, não poderiam ser enquadrados dessa maneira.
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A orientação foi solicitada por uma fabricante de peças e acessórios para motores de veículos. Para Pedro Lima, integrante do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) e autor de um livro sobre “insumos pandêmicos”, esse posicionamento da Receita, o primeiro sobre o assunto, pode levar à judicialização.
O tributarista Fábio Calcini, sócio do escritório Brasil, Salomão e Matthes, lembra que, mesmo para a área administrativa de uma indústria, a legislação impõe o uso de máscara e álcool em gel.
A solução de consulta, segundo o advogado Luiz Felipe Ferraz, sócio do escritório Mattos Filho, não se aplica diretamente para empresas comerciais nem prestadoras de serviço, mas é uma referência para esses setores. “A Receita não fala de comerciais e prestadoras de serviço porque a pergunta foi feita por uma industrial”, explica.
A questão dos insumos será agora tratada pelo STF, a partir de sexta-feira. O julgamento (RE 841979) termina na outra semana. Os ministros vão analisar, no caso, se gastos com publicidade e marketing são insumo para a Unilever Brasil Gelados do Nordeste e, portanto, geram créditos de PIS e Cofins. Estará em discussão o alcance do artigo 195, parágrafo 12, da Constituição, que trata do princípio da não cumulatividade.
“Essa discussão é ampla. A decisão pode impactar diretamente ou oferecer balizas interpretativas importantes para todas as discussões que tratam de creditamento, o que é bastante representativo em termos de valores, já que os créditos podem reduzir os pagamentos de PIS e Cofins”, diz o advogado Julio Janolio, do escritório Vinhas e Redenschi.
Pode respingar, inclusive, nas empresas tributadas pelo regime monofásico. Setores farmacêutico, automotivo e de combustíveis estão entre eles. Nesse modelo de tributação, a cobrança de PIS e Cofins fica concentrada no primeiro elo da cadeia: o fabricante ou o importador.
Há discussão se essas empresas, quando adquirem os produtos do fabricante ou importador para a revenda, podem usar os valores das contribuições que foram repassados no preço da mercadoria como um crédito fiscal.
A 1ª Seção do STJ negou esse direito aos contribuintes em julgamento realizado no mês de abril. Agora, diz Janolio, se o STF decidir que os créditos não podem sofrer qualquer limitação, esses contribuintes poderão ser beneficiados.
“A Receita tem um conceito ‘físico’ do insumo, já o contribuinte defende que todos os gastos ligados à produção da mercadoria ou prestação do serviço podem ser apropriados para fins de crédito”, afirma Luis Augusto Gomes, sócio do Silva Gomes Advogados.
De acordo com Tiago Conde, sócio da área tributária do escritório Sacha Calmon Misabel Derzi Advogados, é importante que o Supremo pacifique a questão. Para as empresas, diz o tributarista, a questão da não cumulatividade impacta diretamente o negócio. “Estamos em uma crise econômica. Pacificar a questão será um grande alívio para a economia e para manutenção dos negócios”, afirma.
Fonte: Valor Econômico