Por Fernanda Rizzo Paes de A. Pagano Gonçalves
Matéria bastante conhecida por aqueles que militam no contencioso tributário federal é a celeuma quanto ao reconhecimento das parcelas constantes do saldo negativo para contribuintes tributados pelo regime do lucro real. O saldo negativo do IRPJ e da CSLL é o resultado obtido a partir das antecipações dos pagamentos realizadas durante o ano calendário em relação aos valores encontrados no ajuste anual dos tributos.
Formado normalmente em razão de pagamentos de estimativas, imposto no exterior e tributos retidos na fonte assumidos pelo contribuinte, quando é verificado o saldo negativo, este se torna crédito em favor do contribuinte, que poderá utilizá-lo em compensações com outros tributos federais.
Todas as estimativas pagas via compensação devem ser reconhecidas como integrantes do saldo negativo pleiteado
Uma das infindáveis discussões quanto à composição do referido saldo tem origem no passado, mais precisamente na possibilidade de compensação, pelo contribuinte, das estimativas de IRPJ e CSLL, com créditos de outros tributos federais (como pagamentos indevidos e saldo negativo de outros períodos). Atualmente, por força da Lei nº 13.670/ 2018, é vedada a compensação de estimativas.
Uma vez não homologada a compensação da estimativa, o contribuinte poderia discuti-la administrativamente, instaurando contencioso administrativo para tanto. Nessas situações, entendia o Fisco que se o pagamento da estimativa ainda estava “sob judice”, não teria se aperfeiçoado ainda, não sendo possível, assim, que passasse a compor o saldo negativo do período em que foi computada tal estimativa.
Naturalmente, como a estimativa constitui uma antecipação que deve ser deduzida do IRPJ e da CSLL devidos ao fim do exercício, por ocasião da declaração de ajuste anual, para que sua dedução seja legítima basta que a estimativa tenha sido efetivamente quitada. E sob tal fundamento, foram negadas milhares de compensações de saldo negativo, visto que, sem a parcela decorrente das estimativas compensadas, o crédito invariavelmente se mostrava insuficiente para quitar os débitos declarados.
Ocorre que seria imperioso o reconhecimento da parcela restante formadora do saldo negativo. Isso porque esses valores existirão invariavelmente e comporão o referido resultado, eis que: (i) ou o contribuinte sairá vencedor nos processos administrativos ainda pendentes de julgamento, confirmando-se o pagamento via compensação das estimativas; (ii) ou o contribuinte sairá perdedor e quitará as estimativas cujas compensações não foram homologadas, seja por pagamento espontâneo, seja em razão de cobrança via execução fiscal.
No decorrer dos anos, diversos foram os posicionamentos da Receita Federal e da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) sobre a possibilidade de cobrança das estimativas após o término do ano calendário, ora reconhecendo a possibilidade de cobrança, ora não reconhecendo, como se verifica a partir dos pareceres PGFN/CAT nº 1.658/2011 e nº 193/2013, Instrução Normativa SRF nº 93/1997 e Solução de Consulta Cosit nº 18/2006.
As decisões do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), seguindo a mesma lógica, também variavam, ora determinando a suspensão dos processos para aguardarem o desfecho das compensações de estimativas, ora reconhecendo a integridade do saldo negativo. É o que se observa a partir da Súmula Carf nº 82, acórdão nº 9101.004.447, do Conselho Superior de Recursos Fiscais, julgado em outubro de 2019 e acórdão nº 1401.002.659, da 1ª Seção, julgado em junho de 2018.
Eis que, em dezembro de 2018, foi exarado pela Receita Federal o Parecer Normativo Cosit nº 2. Segundo referido parecer, não seria necessário glosar o valor das estimativas, justamente porque seriam cobradas como tributo devido em caso de não homologação definitiva das compensações.
Desde tal orientação, a aplicação do entendimento foi ocorrendo paulatinamente, até que as próprias Delegacias de Julgamento começaram a aceitar a composição do saldo negativo nessas situações. É o que se observa em acórdão da 7ª Turma da 8ª Delegacia de Julgamento, de novembro de 2020, ao asseverar que “de acordo com o contexto atual, as parcelas de estimativa (…) objeto de despachos decisórios que decretaram a negativa da homologação das compensações (…), no todo ou em parte, devem ser confirmadas entre as parcelas de composição do saldo negativo”.
Entretanto, faltava à PGFN passar a aceitar tal entendimento. Nesse sentido, recentemente, houve o registro, em processo judicial na Justiça Federal de Santa Catarina, de manifestação da procuradoria pelo cancelamento parcial de cobrança, em razão da aplicação do conteúdo do Parecer Normativo Cosit nº 02/18. Tal reconhecimento culminou na aceitação de parte do saldo negativo composto justamente das estimativas não homologadas, suficiente para cancelar cobrança de mais de R$ 11 milhões. Naquele caso, a PGFN acatou informação fiscal da Receita Federal do Brasil que alertava para a aplicabilidade do parecer normativo.
De fato, após diversos anos de discussões a respeito da matéria, é possível observar que enfim o caso parece se encaminhar para um desfecho favorável aos contribuintes, uniformizando-se a questão tanto por parte da Receita Federal como da PGFN e, como não se pode deixar de observar, entendimento este mais tendente à lógica e à razoabilidade.
Dessa forma, já não se mostra mais arriscado concluir que, finalmente, todas as estimativas pagas via compensação devem ser reconhecidas como integrantes do saldo negativo pleiteado, não sendo mais sequer necessário se aguardar o desfecho dos processos administrativos em que discutidas as compensações dessas estimativas.
Fonte: Valor Econômico