Exclusão do ICMS do PIS e da Cofins é a única vitória obtida pelas empresas
O julgamento da exclusão do ICMS do cálculo do PIS e da Cofins - “a tese do século” - pode ter sido a única vitória dos contribuintes nas discussões que envolvem tributo sobre tributo. Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ) não estão usando o caso como precedente e têm rejeitado outras teses. Os contribuintes foram derrotados em pelo menos quatro das chamadas “teses filhotes” e uma outra, considerada por advogados como a mais importante, está em risco. Trata da exclusão do ISS do cálculo das contribuições, com impacto de até R$ 32,3 bilhões para a União em caso de derrota.
Havia chances de esse caso ser encerrado no Plenário Virtual do STF na sexta-feira. Por volta das 14h, quando o placar estava em quatro a quatro, o ministro Luiz Fux, presidente da Corte, tomou a decisão de interromper as discussões. Ele apresentou pedido de destaque, que desloca o caso para julgamento presencial. A intenção de Fux, segundo um interlocutor, é a de colocar esse caso em pauta somente quando a composição estiver completa, ou seja, com um substituto para Marco Aurélio, que se aposentou no mês de julho. “Diante da relevância do tema”, disse ao Valor.
O presidente da República, Jair Bolsonaro, indicou para vaga André Mendonça - que atuou como ministro da Justiça e advogado-geral da União. Só que, para assumir, ele ainda precisa passar por sabatina no Senado e não há ainda uma data prevista para que isso ocorra. Advogados entendem que essa espera, no entanto, pode diminuir as chances dos contribuintes. “Historicamente é muito raro um ministro votar contra o governo que o indicou logo ao chegar na Corte”, observa Luis Alexandre Barbosa, sócio do escritório LBMF.
Existe ainda uma outra questão: com o deslocamento do caso para o presencial, o placar zera e todos os ministros têm que se posicionar novamente. E, aqui, o contribuinte corre mais riscos de ver o placar virar contra ele. Haverá uma “troca” de relatores. Celso de Mello, o relator original desse recurso, proferiu voto antes de se aposentar. Ele havia se posicionado a favor do contribuinte, ou seja, para excluir o ISS da base de cálculo do PIS e da Cofins. O ministro Kassio Nunes Marques, seu substituto, em razão disso, não se manifestaria se o julgamento tivesse continuado no Plenário Virtual. Agora, porém, Nunes Marques assume o papel de relator e vai proferir o voto condutor desse caso. A tendência, dizem advogados, é que ele apresente uma posição contrária. O ministro vem demonstrando, durante os julgamentos, que está mais alinhado à argumentação da Fazenda Nacional.
Na “tese do século”, no mês de maio, por exemplo, Nunes Marques deu razão à União sobre qual ICMS deveria ser excluído do cálculo das contribuições. Votou pelo efetivamente recolhido aos Estados e não pelo que consta na nota fiscal, geralmente maior e que beneficia mais o contribuinte. Ele, porém, ficou vencido. O ministro também se posicionou contra o contribuinte nos dois casos de “teses filhotes” já julgados pelo Supremo. Tratavam sobre a exclusão do ISS e do ICMS da base de cálculo da Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta (CPRB). Nesses dois casos, no entanto, a posição de Nunes Marques foi a mesma da maioria dos ministros.
As “teses filhotes” foram derrubadas por sete votos a quatro. Além de Nunes Marques, votaram contra o pleito do contribuinte os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Gilmar Mendes, Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli e Luiz Fux. A mudança de relator - e de posicionamento - no julgamento do ISS, no entanto, é vista com bastante polêmica no meio jurídico. Advogados entendem que, além de desrespeitoso com Celso de Mello, poderia estigmatizar o Plenário Virtual. “Trará a insegurança de que as discussões não são confiáveis. Quando os julgamentos eram presenciais, a possibilidade de se desconsiderar um voto jamais foi levantada”, afirma Tatiana Del Giudice Cappa Chiaradia, sócia do escritório Candido Martins. As chamadas “teses filhotes” ganharam corpo com a exclusão do ICMS do cálculo do PIS e da Cofins - a “tese do século”. Os contribuintes, a partir dessa decisão, passaram a defender que o mesmo entendimento deveria ser aplicado para discussões semelhantes envolvendo outros tributos. Há uma porção delas no Judiciário - e vem daí a denominação “filhote”.
Só que o resultado não vem saindo como o esperado. Nos casos que foram julgados no STF, por exemplo, os ministros classificaram a CPRB como benefício fiscal e, sendo assim, afirmaram, se mexessem no cálculo - provocando redução de tributo - o ampliariam demais (RE 1187264 e RE 1285845).
O STF também declinou de alguns julgamentos. Tratou duas teses filhotes como “tema infraconstitucional”: a exclusão do ICMS-ST (substituição tributária) do cálculo do PIS e da Cofins e a exclusão da CPRB da base de cálculo do PIS e da Cofins. Nesses casos, portanto, a palavra final fica com o Superior Tribunal de Justiça (STJ) - onde os contribuintes também não estão tendo sucesso.
A 2ª Turma tem decisão unânime contra a possibilidade de exclusão do ICMS-ST (REsp 1885048). A substituição tributária é uma forma de arrecadação em que um contribuinte da cadeia de consumo é o responsável por recolher o imposto de todos os outros, para facilitar a fiscalização.
Uma peculiaridade nessa sistemática, para os ministros, faz com que seja impossível igualar o caso ao da “tese do século”: o ICMS-ST - diferentemente do ICMS - é destacado formalmente na nota fiscal de aquisição das mercadorias, mas não na nota fiscal de saída ou de revenda do produto.
Também na 2ª Turma há decisão contra a exclusão da CPRB da base de cálculo do PIS e da Cofins. Foi proferida na semana passada. Os ministros entenderam que há similaridade entre esse caso e as duas “filhotes” que foram julgadas no STF. “Também se discutiu o conceito de receita bruta”, disse o relator do caso, o ministro Herman Benjamin (REsp 1930041).
Na 1ª Turma há um caso desses, envolvendo a exclusão da CPRB, mas ainda sem decisão definitiva. Está no Plenário Virtual da Corte, com previsão para ser concluído hoje. O relator, ministro Benedito Gonçalves, votou contra a exclusão (REsp 1932521). Se o entendimento prevalecer, as duas turmas que julgam as questões de direito público no STJ terão posicionamento igual, ou seja, negando o pleito do contribuinte. E, nesse caso, ficará muito difícil de a situação ser revertida.
Quando decidiram sobre a “tese do século”, os ministros do STF consideraram que o ICMS não poderia ser enquadrado como faturamento ou receita bruta - a base de incidência do PIS e da Cofins - e por esse motivo, então, deveria ser excluído do cálculo das contribuições. Entre as filhotes, a que mais se aproxima desse conceito, segundo os advogados, é a que envolve a exclusão do ISS. A única diferença, entre os dois casos, eles dizem, é que um trata de imposto estadual e o outro municipal. Por isso o julgamento é tão aguardado. Uma negativa dos ministros pode colocar em risco todas as outras teses construídas com argumentos semelhantes.
Por Joice Bacelo e Beatriz Olivon