Para tributaristas, gastos são essenciais. Jurisprudência sobre o tema ainda é escassa
A partir de 1° de agosto passou a ser obrigatório o enquadramento das empresas à Lei n°13.709/2018, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Segundo advogados, com a proximidade da data cresceu a procura por orientações sobre o creditamento de PIS e Cofins relacionado a gastos decorrentes da adequação à legislação.
A discussão gira em torno da possibilidade de considerar como insumos os gastos com fornecedores para o desenvolvimento de sistemas ou licenças de softwares, por exemplo, o que permitiria a tomada de créditos das contribuições. Advogados têm entendido pela possibilidade de creditamento, porém a jurisprudência administrativa e judicial sobre o tema ainda é escassa.
De acordo com tributaristas, a maioria das decisões judiciais relacionadas ao tema negaram a possibilidade de creditamento. Uma decisão de 8 de julho da 4ª Vara Federal de Campo Grande (MS) favorável à utilização dos gastos com a LGPD para crédito, porém, aumentou o interesse sobre o assunto. O mandado de segurança 5003440-04.2021.4.03.6000, analisado pelo juiz Pedro Pereira dos Santos, é considerada por advogados a primeira decisão favorável aos contribuintes em relação ao assunto.
Segundo especialistas consultados pelo JOTA, as empresas estão interessadas em saber quais despesas com a LGPD podem ser consideradas insumos. Contratação de advogados para revisão de contratos, de assessores em geral ou de fornecedores para o desenvolvimento de sistemas, além de despesas com licenças de software, estão entre os gastos que os profissionais entendem que podem ser usados para a tomada dos créditos. Contudo, eles fazem a ressalva de que só se enquadram as contratações de pessoas jurídicas ou terceirizadas.
“O que são insumos? São bens ou serviços. Se a empresa contrata mão de obra interna, não é bem nem serviço. Mas se ela terceiriza, contrata um escritório de advocacia para adequar todos os seus contratos à LGPD, então daria direito a crédito”, avalia o advogado Caio Malpighi, da área tributária do Mannrich e Vasconcelos.
De acordo com os advogados, enquanto algumas empresas preferem aguardar um entendimento judicial consolidado, outras se sentem respaldadas para aproveitar os créditos.
Segundo Thais Veiga Shingai, sócia no Mannrich e Vasconcelos, o assunto está em debate com os clientes. “Sugerimos que muitos dos nossos clientes avaliem a possibilidade de usar esses créditos, é claro que sempre com muito cuidado. A gente está em um estágio bem inicial de conversas, entendendo junto com os clientes quais são os gastos para entender o caminho que vai ser tomado, se vão utilizar [os créditos] administrativamente ou entrar com medida preventiva [na Justiça]. É um assunto que as empresas estão avaliando”, afirma.
Já Luís Alexandre Barbosa, da LBMF Advocacia, relata que o escritório faz uma análise caso a caso e já orientou alguns clientes a tomarem o crédito. “São três ou quatro casos, ainda é bastante incipiente. Conforme o caso, a gente orienta pelo creditamento ou não. Por que a gente faz isso? É uma questão estratégica. A gente quer fugir dessa indefinição do Judiciário. Aqui em São Paulo, a gente só tem decisões [judiciais] desfavoráveis. A orientação, por enquanto, é não ajuizar ação em São Paulo”, explica.
Ele pontua, no entanto, que há um cuidado em respaldar tecnicamente a opção. “Só fazemos isso quando a gente tem uma análise interna [da empresa] ou externa do que é essencial ou relevante. Eu vou ter um parecer técnico definindo como essencial. Com isso, eu acredito que o Carf [Conselho Administrativo de Recursos Fiscais] ou o Judiciário vão ter muito mais dificuldade de contradizer”, comenta.
Na KPMG, os créditos tributários relacionados a gastos com a LGPD são “o assunto que está na mesa” no momento, segundo Roberto Puoço, sócio-diretor de impostos da consultoria internacional no Brasil. “Com quem a gente vem conversando, esse assunto está no radar. Você tem uma recuperação de crédito de aproximadamente 10% e, com a LGPD, as empresas arcaram com um custo alto sem qualquer ajuda do governo para implementar, o que vem sendo feito desde 2018. Existe a possibilidade de recuperar retroativamente 10% disso”, observa.
Para Puoço, a segurança da informação tende a se tornar tão central no funcionamento das empresas que ele enxerga, no futuro, o encaixe de produtos e serviços relacionados ao tema no conceito de insumos geradores de créditos tributários para além da LGPD. “Acho que [a LGPD] é o primeiro ponto para custos com segurança da informação serem tratados como essenciais”.
Segundo ele, o tema do uso desses gastos para obter créditos vinha sendo debatido com algumas empresas, e com a decisão da 4ª Vara Federal de Campo Grande outras se interessaram. “Quando você olha a LGPD, é uma norma que tem aderência para praticamente todas as empresas. Você consegue encaixar dentro dos pilares da essencialidade e relevância”, afirma.
Essencialidade e relevância
As noções de essencialidade e relevância do gasto para a atividade fim da empresa têm relação com a decisão tomada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em 2018, ao analisar o Recurso Especial (REsp) 1.221.170. Na ocasião a Corte definiu que podem ser considerados insumos para fins de PIS e Cofins os itens essenciais e relevantes para a produção do bem ou serviço.
Na sequência, a Receita Federal publicou o parecer normativo Cosit n°5, alinhando-se ao entendimento do STJ. Segundo a normativa, enquanto a essencialidade é determinada pela dependência da atividade econômica do bem ou serviço em questão, que deve ser “elemento estrutural e inseparável” do processo produtivo, o critério de relevância “é identificável no item cuja finalidade, embora não indispensável à elaboração do próprio produto ou à prestação do serviço, integre o processo de produção, seja pelas singularidades de cada cadeia produtiva ou por imposição legal”.
Para especialistas, o fato de os dispêndios decorrerem de uma imposição legal é um outro ponto a favor da utilização dos gastos com a LGPD para obtenção de créditos de PIS e Cofins. “O STJ também considerou o aspecto relevância, e isso está muito relacionado aos gastos que decorrem da imposição legal. Então, estamos pensando na LGPD como imposição legal para qualquer pessoa jurídica que tenha acesso a dados de seus clientes”, afirma Thais Veiga Shingai.
Desde 1° de agosto, as empresas que não cumprirem as determinações da LGPD podem sofrer sanções que vão de advertências até multas no valor de até 2% do faturamento, limitadas a R$ 50 milhões por infração. A LGPD traz, ainda, sanções como a publicização da infração, bloqueio e até eliminação dos dados pessoais relacionados à infração.
A reportagem entrou em contato com a Receita Federal pedindo um posicionamento sobre a possibilidade de utilização dos gastos com a adequação à legislação para obter créditos tributários. Por e-mail, a assessoria de imprensa informou que “a Receita não comenta sobre atos, decisões ou normas ainda não publicadas”.
Fonte: Jota