Reforma pode trazer debate sobre distribuição disfarçada de lucros de volta ao Carf

Texto da reforma do IR pode fazer com que temas como Juros Sobre Capital Próprio fiquem menos comuns no tribunal

A 2ª fase da reforma tributária, que trata de alterações no Imposto de Renda, pode trazer de volta ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) um tema que, segundo especialistas, era raramente avistado no tribunal desde a década de 1990: a distribuição disfarçada de lucros. Conhecido como DDL, o termo abrange situações em que empresas buscam formas alternativas de remunerar os sócios e “fugir” da tributação dos dividendos.

Por outro lado, tributaristas apontam que a reforma pode “retirar” do Carf velhos conhecidos, como discussões sobre Juros Sobre Capital Próprio. Conselheiros e advogados indicam ainda que alguns pontos da reforma esbarram em entendimentos já consolidados no tribunal administrativo, como as devoluções de participação no capital social.

O que pode ressurgir

A distribuição disfarçada de lucros é apontada como uma consequência da tributação dos dividendos. De acordo com a 2ª fase da reforma tributária enviada ao Congresso pelo governo, os dividendos seriam tributados na fonte a 20%. O relatório do deputado Celso Sabino (PSDB-PA) mantém a alíquota, porém em uma inovação em relação ao texto original, prevê a tributação da distribuição disfarçada de lucros a uma alíquota de 30%.

O fenômeno ocorre quando, com o intuito de fugir da tributação dos dividendos, as empresas buscam outras formas de remunerar o sócio. O advogado Luís Flávio Neto, sócio do KLA Advogados, diz que um exemplo seria o pagamento, pela companhia, de despesas do sócio. “Seria o exemplo de [a empresa] pagar o aluguel do sócio. O sócio não vai mais receber dividendos e comprar o carro, a empresa vai dar como benefício o automóvel”, afirma

A advogada Ana Cláudia Utumi, sócia do Utumi Advogados, diz que a discussão sobre DDL era comum no Conselho de Contribuintes, que antecedeu o Carf, quando os dividendos ainda eram tributados no Brasil. “Era o caso da empresa que paga as contas pessoais do acionista, ou dos funcionários que trabalham na casa do sócio [registrados] como funcionários da empresa”, afirma.

A tendência, de acordo com tributaristas, é que a tributação dos dividendos, caso aprovada pelo Congresso, gere autuações relacionadas à distribuição disfarçada, trazendo o assunto de volta ao Carf.

Tanto o texto original do PL 2337/21 quanto o parecer preliminar apresentado por Sabino trazem seções específicas para essas situações. Os textos configuram como distribuição disfarçada de lucros, entre outras, a alienação de bem ou direito a pessoa ligada por valor inferior ao de mercado, o empréstimo feito por empresas a pessoas ligadas quando há lucros acumulados, o perdão de dívida e o pagamento de aluguéis e royalties.

O parecer, porém, traz uma grande diferença em relação ao texto original ao prever que a distribuição disfarçada de lucros, caso constatada, seja tributada à alíquota de 30%. Para a advogada Renata Emery, sócia do TozziniFreire Advogados, a estipulação de uma alíquota maior em relação à aplicada na distribuição de dividendos traz um caráter sancionatório. “A regra de DDL sempre foi aplicada para equiparar a operação disfarçada a uma distribuição de dividendos, sujeitando ao mesmo tratamento dos dividendos. Quando é aplicada uma alíquota maior, passa a existir uma natureza de sanção”, diz.

O que pode mudar

Desde que o Projeto de Lei 2337/2021 foi apresentado, em junho, tributaristas vêm criticando trechos que imprimem viés arrecadatório às mudanças para legitimar as teses e a interpretação defendida pela fiscalização.

Algumas “mudanças excessivas” que constavam inicialmente no PL foram retiradas no relatório preliminar apresentado no dia 13/7 pelo deputado Celso Sabino. No entanto, especialistas afirmam que o substitutivo continua representando um aumento de carga tributária sobre a renda produtiva no país. O motivo principal é o cálculo da alíquota de IRPJ em conjunto com a tributação dos dividendos em 20% na fonte.

Outro ponto mantido no substitutivo que levanta críticas trata da devolução de bens e direitos do capital social aos sócios pelo valor de mercado, e não contábil, como ocorre hoje. A principal diferença é que a devolução do capital social feita pelo valor contábil dos bens não gera efeito tributário. Já a devolução pelo valor de mercado gera ganho de capital.

A proposta altera o artigo 22 da Lei 9.249/95, que garante ao contribuinte a possibilidade de devolver aos sócios bens do capital social pelo valor contábil ou de mercado. O texto de Guedes determina que as devoluções, para fins de apuração do IRPJ e da CSLL, sejam feitas com base no valor de mercado.

Com isso, o projeto espera que a “pessoa jurídica tribute, como ganho de capital, a diferença entre o valor de mercado e o valor contábil do ativo entregue no momento da devolução da participação aos sócios ou acionistas”. De acordo com os tributaristas Fernando Tonanni e Bruna Marrara, do Machado Meyer, no contexto empresarial, é saudável que haja reorganizações empresariais e transferência de ativos sem geração de ganho tributável. Eles entendem que a medida vai gerar ganho de capital, que antes não ocorria, e poderá movimentar o contencioso.

Advogados destacam que atualmente o Carf segue uma linha favorável ao contribuinte e garante as devoluções com base no valor contábil. Em janeiro de 2020, por exemplo, a 1ª Turma da Câmara Superior negou recurso da Fazenda Nacional e definiu que é lícita a devolução de bens e direitos aos acionistas pelo valor contábil.

O processo envolvia a empresa de torres de celulares Sstowers, que conseguiu obter vitória bilionária. À época, a relatora, conselheira Edeli Bessa, afirmou que “existindo a faculdade expressa no art. 22 da Lei 9.249/95 seu exercício não pode ser tomado por abusivo se há um motivo para a realização das operações questionadas”. (Acórdão 16561.720079/2015-68).

O que pode sair

Entre os pontos desfavoráveis às empresas do PL 2337/21 mantidos no parecer de Sabino, um dos mais comentados é a indedutibilidade dos Juros Sobre Capital Próprio (JCP) das bases do IRPJ e da CSLL. Tributaristas apostam que a mudança pode tornar o instrumento menos vantajoso e menos comum.

O tema é relativamente comum no Carf, principalmente em relação à possibilidade de pagamento de JCP de forma retroativa, ou seja, a distribuição de valores relacionados a resultados positivos apurados anteriormente. Caso o PL seja aprovado com o texto atual, o assunto pode se tornar mais raro no tribunal administrativo. “[Com o PL 2337/21] O JCP continua existindo, continua sendo vantajoso em alguns casos, mas a atratividade da opção fiscal com certeza será reduzida”, define Luís Flávio Neto.

Atualmente os Juros Sobre Capital Próprio são tributados na fonte à uma alíquota de 15%, porém, para as empresas do Lucro Real, os valores podem ser abatidos das bases do IRPJ e da CSLL.

Fonte: Jota 

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