Direto do CARF: IRRF nos pagamentos ao exterior em contratos de compartilhamento de custos

Nesta semana, analisaremos os precedentes do Carf acerca da incidência do Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) nos pagamentos por pessoa jurídica brasileira a pessoa jurídica sediada no exterior em virtude de contrato de compartilhamento de custos ou despesas.

O fenômeno do compartilhamento de despesas já é observado no mercado mundial há algumas décadas, abrangendo inicialmente serviços de back office, tais como os relacionados às áreas financeira, de recursos humanos e de tecnologia da informação1.

A centralização dos serviços possibilita a redução dos custos e a especialização da prestação dos serviços em função de economias de escala, acúmulo de experiência nos processos de produção, bem como padronização de atividades e tarefas2.

No contrato de compartilhamento de despesas, as partes objetivam compartilhar esforços através da centralização das atividades-meio em uma única sociedade. A mensuração da vantagem individual de cada uma das sociedades participantes não é tarefa fácil, de forma que um dos grandes desafios de tais contratos é a determinação de critérios de rateio razoáveis3.

O reembolso constitui montante correspondente ao gasto que a “sociedade centralizadora” teve com a atividade compartilhada e o correspondente benefício que foi auferido por cada sociedade integrante daquele contrato4.

O reembolso de despesas visa à recomposição da situação financeira da “sociedade centralizadora”, pois ela não teve redução patrimonial em virtude da centralização de pagamento. Ao centralizar os pagamentos, a “sociedade centralizadora” deveria registrar um direito de crédito a ser exigido das sociedades integrantes do contrato de compartilhamento de despesas, em contrapartida a uma saída de caixa ou entrega de ativo, ou futuro, representado por uma promessa de saída de caixa ou de entrega de um ativo5.

Tal direito de crédito da “sociedade centralizadora” será transformado em uma entrada de caixa no momento do ressarcimento das despesas pelas sociedades participantes do contrato de compartilhamento de despesas6.

No contrato de compartilhamento de despesas não existe preço, pois o valor cobrado pela “sociedade centralizadora” é exatamente o valor proporcional dos gastos por ela despendidos, não existindo margem adicionada a título de remuneração7.

Os contratos de compartilhamento também são uma importante forma de evitar distorções nas demonstrações financeiras da “sociedade centralizadora” e demais empresas participantes do contrato, ao determinar o quanto das atividades compartilhadas deverá ser registrado por cada empresa8.

Ainda que assuma a centralização do pagamento de serviços que beneficiam diversas empresas integrantes do compartilhamento de despesas, a “sociedade centralizadora” não deve suportar despesa decorrente de parcela de serviço que não a beneficiou, pois parte de tais gastos irá gerar receita para outras integrantes do contrato de compartilhamento.

Diante de tal cenário, é fundamental que o contribuinte formalize o contrato de compartilhamento de despesas e que este se lastreie em critérios razoáveis de acordo com a natureza da despesa compartilhada.

A valoração das provas pelo Carf em contratos de compartilhamento entre empresas do mesmo grupo econômico já foi objeto da coluna “Direto do Carf”, em artigo publicado em dezembro de 2020 pelos Conselheiros Fernando Brasil de Oliveira Pinto e Flávio Machado Vilhena Dias9.

Todavia, no presente artigo trataremos especificamente da incidência ou não de IRRF sobre os pagamentos feitos a pessoa jurídica sediada no exterior a título de reembolso de despesas no âmbito de um contrato de compartilhamento de despesas.

Vale notar que ficam sujeitos à incidência do IRRF a renda e os proventos de qualquer natureza provenientes de fontes situadas no País, quando percebidos pelas pessoas físicas ou jurídicas residentes ou domiciliadas no exterior.

Ocorre que em um contrato de compartilhamento de despesas, não há “preço”, uma vez que a “sociedade centralizadora” não aufere renda, cobrando apenas o reembolso do custo com a despesa compartilhada.

Essa é a principal raiz da controvérsia acerca da incidência ou não do IRRF sobre tais pagamentos.

A Receita Federal do Brasil já se manifestou pela tributação do IRRF e da CIDE sobre tais pagamentos em diferentes oportunidades por meio de soluções de consulta.

Na Solução de Consulta DISIT n. 462/06, foi manifestado que ainda que tais pagamentos ocorram no âmbito de um contrato de compartilhamento de despesas, “existem beneficiários finais, residentes ou domiciliados no exterior, dos recursos remetidos, a exemplo das pessoas (físicas ou jurídicas) que prestarão os serviços assumidos pela empresa líder”, de modo que sobre o montante de tais pagamentos seriam devidos IRRF, CIDE, PIS e COFINS-Importação.

Na Solução de Consulta n. 163/12, também foi manifestado o entendimento de incidência de IRRF e CIDE sobre as remessas ao exterior para pagamento de serviços relativos a suporte em tecnologia da informação, suporte no atendimento de clientes, gerenciamento de relacionamento em processos de vendas, registros financeiros e contábeis, controle de entrada e saída de dinheiro, técnicas de gestão de recursos humanos, políticas e estratégias de divulgação da marca, assessoria jurídica, corporativa e cobrança, ainda que tais serviços estejam no bojo de um contrato de compartilhamento de custos.

Em igual sentido, na Solução de Consulta COSIT n. 43/15, foi entendido que incide CIDE sobre os pagamentos ao exterior de contratos de compartilhamento de custos de serviços técnicos e de assistência administrativa e semelhantes entre empresas do mesmo grupo econômico.

Por fim, não foi diferente o entendimento constante na Solução de Consulta DISIT n. 6.024/17, na qual há menção expressa da incidência de IRRF, CIDE, PIS e COFINS-Importação sobre os valores pagos ao exterior em contrato de partilha de custos.

Feitas as principais considerações sobre o tema, verificaremos como tal tema tem sido analisado nos precedentes do Carf.

No Acórdão 1401-004.049 (de 10/12/2019)10, foi negado provimento ao recurso voluntário por voto de qualidade, mantendo-se a cobrança do IRRF sobre as remessas a título de pagamento de compartilhamento de despesas.

No termo de verificação fiscal, a autoridade tributária menciona que após análise das faturas (invoices), contratos e esclarecimentos apresentados pelo contribuinte, ela concluiu que os pagamentos estavam relacionados a custos de atividades administrativas e gerenciais, tais como finanças, sistemas, recursos humanos, marketing, jurídico, desenvolvimento de estratégias, sendo enquadráveis como “serviços técnicos e de assistência técnica, administrativa e semelhantes”, cujos pagamentos se sujeitariam à incidência de IRRF, à alíquota de 15%.

Por sua vez, o contribuinte reafirma que os pagamentos são feitos no âmbito de acordos de rateio de despesas de apoio administrativo, pelos quais uma entidade centralizadora, detentora de estrutura de apoio administrativo, incorre em certas despesas que aproveitam outras entidades, as quais, por sua vez, reembolsam tais despesas na medida em que beneficiadas, sem quaisquer margens de lucro, remuneração, rendimentos, comissões, ganhos ou outros acréscimos, servindo apenas para recuperação de parte de custos incorridos em benefício de outras sociedades do grupo econômico.

O contribuinte menciona algumas soluções de consulta, tais como a Solução de Consulta n. 08/12 e Solução de Divergência n. 23/13, que tratam da não tributação dos valores recebidos pela “sociedade centralizadora” em contratos nacionais de compartilhamento de custos.

No voto vencido, a conselheira relatora11 aponta que todos os contratos de rateio de despesas estavam devidamente formalizados com a descrição dos serviços que estavam sendo compartilhado e respectivos critérios de rateio. Ademais, ela traz o teor da Solução de Consulta n. 378/17, que admitiu a não incidência de IRRF nas remessas de pessoa jurídica brasileira a pessoa jurídica situada no exterior “quando da remuneração por pessoa jurídica domiciliada no Brasil a sócio-administrador ou profissional expatriado residente no País, com pagamento no exterior realizado por sua matriz ou por empresa do mesmo grupo empresarial domiciliada no exterior”.

A conselheira relatora menciona ainda a Solução de Consulta n. 94/19, que admite a dedutibilidade para fins de IRPJ e CSLL de despesas oriundas de contrato de compartilhamento de custos.

Por fim, ela ressalta que: “não há como se confundir os institutos de ‘reembolso’ e ‘prestação de serviços’, dado possuírem naturezas jurídicas distintas, não sendo correto se falar em tributação dos reembolsos pelos custos incorridos no que se refere à remuneração dos funcionários disponibilizados pela matriz à recorrente, haja vista não se tratar de remuneração pela prestação de serviços, mas sim de um mero ressarcimento de custos”.

Por outro lado, no voto vencedor, o conselheiro redator designado12 aponta que as soluções de consulta mencionadas pela conselheira relatora tratam especificamente da questão da dedutibilidade das despesas oriundas de um contrato de compartilhamento e não da incidência do IRRF, com exceção da Solução de Consulta n. 378/17.

Todavia, no que tange à esta solução, o objeto não seria o pagamento de rateio de despesas centralizadas em pessoa jurídica no exterior. Tratava-se da remuneração de pessoa física (administrador e/ou profissional) expatriada, contratada por empresa sediada no Brasil e residente, para fins tributários, no território nacional.

Após afastar as soluções de consulta até então mencionadas, o conselheiro redator designado afirma que a questão de incidência do IRRF em pagamentos ao exterior em contratos de compartilhamento está exposta na Solução de Consulta 43/15, que propugna pela incidência de IRRF em tal modalidade de pagamento. Tal solução busca amparo no Parecer Cosit n. 07/09, que trazia a conclusão de que ainda que o pagamento seja feito em um contrato de repartição no exterior, há um beneficiário do rendimento que é um prestador de serviço localizado no exterior que foi contratado pela “sociedade centralizadora”.

Por fim, ainda foi analisada a potencial aplicação da Convenção para Evitar Bitributação celebrada entre o Brasil e os Países Baixos, no entanto, o conselheiro redator designado apontou que no Protocolo de tal Convenção consta que fica entendido como royalty toda e qualquer espécie de pagamento recebido em contraprestação de serviços e assistência técnica.

Tal tema (com o mesmo contribuinte) foi novamente enfrentado pela mesma turma ordinária no Acórdão 1401-004.270 (de 11/03/2020)13, sendo que o resultado não foi diferente, isto é, foi negado provimento ao recurso voluntário por voto de qualidade, mantendo-se a cobrança do IRRF sobre as remessas a título de pagamento de compartilhamento de despesas.

Diante de todo o exposto, ainda que não haja uma grande amostra de casos envolvendo o tema, verifica-se que os precedentes do Carf são no sentido de incidência de IRRF sobre as remessas ao exterior a título de pagamentos no âmbito de contratos de compartilhamento de custos ou despesas.

Este texto não reflete a posição institucional do Carf, mas, sim, uma análise dos seus precedentes publicados no site do órgão, em estudo descritivo, de caráter informativo, promovido pelos seus colunistas.

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1 PINTO, Alexandre Evaristo. Tributação dos reembolsos no âmbito dos contratos de compartilhamento de despesas. Revista Direito Tributário Atual, São Paulo: Dialética, v. 29, p. 36-62, 2013.

2 PINTO, Alexandre Evaristo. Tributação dos reembolsos no âmbito dos contratos de compartilhamento de despesas. Revista Direito Tributário Atual, São Paulo: Dialética, v. 29, p. 36-62, 2013.

3 PINTO, Alexandre Evaristo. Tributação dos reembolsos no âmbito dos contratos de compartilhamento de despesas. Revista Direito Tributário Atual, São Paulo: Dialética, v. 29, p. 36-62, 2013.

4 PINTO, Alexandre Evaristo. Tributação dos reembolsos no âmbito dos contratos de compartilhamento de despesas. Revista Direito Tributário Atual, São Paulo: Dialética, v. 29, p. 36-62, 2013.

5 PINTO, Alexandre Evaristo. Tributação dos reembolsos no âmbito dos contratos de compartilhamento de despesas. Revista Direito Tributário Atual, São Paulo: Dialética, v. 29, p. 36-62, 2013.

6 PINTO, Alexandre Evaristo. Tributação dos reembolsos no âmbito dos contratos de compartilhamento de despesas. Revista Direito Tributário Atual, São Paulo: Dialética, v. 29, p. 36-62, 2013.

7 PINTO, Alexandre Evaristo. Tributação dos reembolsos no âmbito dos contratos de compartilhamento de despesas. Revista Direito Tributário Atual, São Paulo: Dialética, v. 29, p. 36-62, 2013.

8 BRANCO, Vinicius. Convênios de rateio de despesas – disciplina tributária. In: Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo: Dialética, Agosto/2004. p. 78-80.

9 https://www.conjur.com.br/2020-dez-09/direto-carf-carf-analisa-rateio-despesas-incorridas-entidades-vinculadas

10 Conselheira Relatora Luciana Yoshihara Arcangelo Zanin e Conselheiro Redator Designado Carlos André Soares Nogueira.

11 Conselheira Relatora Luciana Yoshihara Arcangelo Zanin.

12 Conselheiro Redator Designado Carlos André Soares Nogueira.

13 Conselheira Relatora Luciana Yoshihara Arcangelo Zanin e Conselheiro Redator Designado Carlos André Soares Nogueira.

***

Por Alexandre Evaristo Pinto, conselheiro titular da Câmara Superior de Recursos Fiscais da 1ª Seção do Carf, ex-conselheiro titular da 2ª Seção do Carf, doutorando em Controladoria e Contabilidade pela Universidade de São Paulo (USP), doutor em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela USP e mestre em Direito Comercial pela USP. Professor do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT) e do Mestrado Profissional em Controladoria e Finanças da Fipecafi. Coordenador do MBA IFRS da Fipecafi e do curso de extensão em Normas Contábeis Internacionais e Tributação promovido pelo IBDT e pela Fipecafi.

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