A presente discussão analisa a ocorrência de lançamentos perpetrados pelo Fisco Municipal relativos à cobrança de ISS ( Imposto Sobre Serviços ) no recebimento de bonificações a título de incentivo de vendas.
A bonificação normalmente é realizada pelo fabricante/vendedor ao revendedor/comprador onde ocorre diminuição do preço da mercadoria ou entrega de quantidade maior do que a contratada.
Muitas vezes os referidos descontos são incidentes diretamente na compra da mercadoria, no momento da emissão da fatura, onde o revendedor acaba por arcar com um preço menor. Ou então, podem configurar um desconto posteriormente concedido, porém vinculado à revenda do produto e melhor margem de negociação com os clientes.
Tem-se conhecimento da lavratura de Autos de Infração, a exemplo, em face de concessionárias de veículos autorizadas pelo fabricante, onde a fiscalização, em seu entendimento, aponta que o recebimento de um “prêmio pecuniário” ( Plano de Incentivo de Vendas ) na forma de crédito em conta-corrente condicionado à revenda do veículo 0 km ( reembolso ) seria uma forma de agenciamento ou intermediação passível de tributação pelo ISS.
Não existem meios de pretender tributar o recebimento de bonificações a título de incentivo de vendas como um tipo de agenciamento ou intermediação.
Ademais, não se poderia equiparar o conceito de “agenciamento” ou “intermediação” a algo semelhante sem a mesma natureza jurídica.
Nos termos do artigo 146, III “a” da Constituição Federal de 1988, está estabelecido que todas as espécies tributárias estão sujeitas às normas gerais de Direito Tributário.
A estrutura do Direito Tributário veda o uso de interpretações extensivas ou restritivas para a aplicação das normas gerais.
E não poderiam as materialidades de cada tributo ( ex: ICMS, ISS ) estarem vinculadas a condutas que não se enquadrem ao exato conceito daquilo que o legislador pretendeu tributar. E não há como estender este efeito.
Ou seja, o sujeito revende as mercadorias ao consumidor final, adquiridas do produtor ou fabricante.
Ora, se o desconto ( seja ele incondicional ou condicional ), for conferido em virtude da prática da revenda mercantil ( sendo esta a sua causa ), o que lhe gerou não foi a prestação de serviços ( obrigação de fazer ), e sim a própria compra e venda ( obrigação de dar ).
Assim é previsto no artigo 110 do CTN:
Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.
Da mesma forma está previsto no art. 108, par. 1.o do CTN que a Administração não poderia fazer qualquer analogia no recebimento da bonificação a fim de enquadrá-lo como uma “forma de agenciamento”, pois fatalmente acabaria por exigir tributo não previsto em lei:
Art. 108. Na ausência de disposição expressa, a autoridade competente para aplicar a legislação tributária utilizará sucessivamente, na ordem indicada:
1º O emprego da analogia não poderá resultar na exigência de tributo não previsto em lei.
A revenda mercantil é uma operação de compra e venda com o fito em lucratividade, onde os comerciantes procuram empregar esforços necessários para angariar seus clientes, e aumentar as negociações.
O Município somente poderia tributar o imposto sobre “serviços” nos termos do art. 156, III da Constituição Federal de 1988, e não sobre materialidade diversa.
A Lei Complementar 116/03 passou a disciplinar a tributação pelo Imposto Municipal sobre Serviços, e assim dispôs:
Art. 1o O Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do Distrito Federal, tem como fato gerador a prestação de serviços constantes da lista anexa, ainda que esses não se constituam como atividade preponderante do prestador (…)
Lista de serviços anexa à Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003.
10.05 – Agenciamento, corretagem ou intermediação de bens móveis ou imóveis, não abrangidos em outros itens ou subitens, inclusive aqueles realizados no âmbito de Bolsas de Mercadorias e Futuros, por quaisquer meios.
Observa-se que o agenciamento é uma forma de prestação de serviços diferente do que representa bonificação.
Há que se verificar que o agenciamento é intermediação, e quem venderia supostamente o produto ao consumidor final seria o fabricante, e não diretamente o revendedor. Neste caso, haveria a mera intermediação.
Segundo previsto no artigo 710 do Código Civil:
Art. 710. Pelo contrato de agência, uma pessoa assume, em caráter não eventual e sem vínculos de dependência, a obrigação de promover, à conta de outra, mediante retribuição, a realização de certos negócios, em zona determinada, caracterizando-se a distribuição quando o agente tiver à sua disposição a coisa a ser negociada.
Parágrafo único. O proponente pode conferir poderes ao agente para que este o represente na conclusão dos contratos.
Assim, se a bonificação fosse uma “comissão pelo agenciamento” quem estaria a efetuar a venda seria o fabricante e não propriamente o revendedor.
A responsabilidade pelo preço da revenda sempre é assumido pelo revendedor, e compete a ele arcar com prejuízos ou se beneficiar com a lucratividade.
O fornecedor pode vir a incentivar as vendas, pois lhe interessa o volume de compra, porque é responsável pela industrialização dos produtos, muitas vezes promovendo descontos de forma a possibilitar a redução dos custos da mercadoria, o que acaba tornando a revenda mais competitiva.
Portanto, “recebimento de bonificação em venda” sempre será desconto promocional ( seja condicional ou incondicional ), que surge configurado como desconto em custo, reembolso pela revenda ou recebimento de quantias maiores do mesmo produto negociado, pelo mesmo preço.
E observa-se que o fato da dedução do preço do produto estar – em dadas situações – condicionada à revenda ao consumidor, onde são reembolsados os valores anteriormente pagos, tampouco desnatura tal característica, justamente porque com isto é possível a oferta mais competitiva no mercado.
Nestes casos, o desconto é intrinsecamente ligado à compra e venda mercantil, sobre uma mercadoria adquirida pelo revendedor, e que passou a compor o seu estoque direto de produtos.
No momento do pagamento pelo cliente, nota-se que é auferida a receita por parte do revendedor, e não pelo fornecedor, pois a mercadoria lhe pertence. Há um contrato de compra e venda sendo executado.
Se acaso fosse um contrato de intermediação ou agenciamento, fatalmente a única receita recebida pelo revendedor seria a “comissão”, e não o “preço da fatura paga” correspondente à mercadoria transferida por venda.
Assim, não se concorda com a equiparação de bonificação como prestação de serviço de agenciamento ou intermediação.
Configurando-se, inclusive, invasão de competência do tributo estadual ICMS, pois já incidiu na a operação mercantil de revenda.
O Superior Tribunal de Justiça já teve oportunidade de julgar a questão, onde restou decidido que a bonificação concedida pela fábrica à concessionária não teria natureza de comissão por agenciamento, sendo desconto condicional concedido pela fábrica para reembolso da redução que houve ao preço da mercadoria.
Pode-se citar trecho de Acórdão – Agravo em Recurso Especial n. 847.300/MS – de Relatoria do Ministro Gurgel de Faria. A saber:
Para se analisar a legalidade este auto de infração, portanto, é necessário saber se o recebimento do denominado “Bônus PLAN – atingimento de metas de compra de autopeças” constitui-se ou não como fato gerador de ISS.
Sobre o tema, após a análise da escrituração contábil da empresa autora, o perito chegou à conclusão de que “o Bônus Plan não tem natureza jurídica de comercialização de mercadoria, e sim de desconto financeiro condicional, concedido pela General Motors para reembolso da redução que concedeu no preço de venda de peças para seus clientes.
Desse modo, sendo este bônus apenas um desconto financeiro concedido em razão do atingimento de metas, não há que se falar na incidência de ISS, uma vez que tal atividade não se caracteriza e nem poderia caracterizar-se como prestação de serviços de agenciamento, corretagem ou intermediação de bens móveis como sustenta o requerido[…]
Há que se considerar, sendo taxativo o rol de serviços dispostos na Lei Complementar descabendo extensão da tributação, tal como decidido pelo Superior Tribunal de Justiça, RESP 1.111.234 sob o rito dos Recursos Repetitivos, nos termos do art. 543-C do CPC/73.
Em conclusão, no caso de recebimento de bonificações por descontos comerciais, haverá exclusivamente operação de circulação de mercadorias e nunca prestação de serviços.
Por Káren Gattás Corrêa Antunes de Andrade
Tributario.com.br