Foco será na prática em que empresas usam créditos de um imposto para abater o pagamento de outros tributos
A Receita Federal iniciou uma força-tarefa para apertar a fiscalização contra fraudes de empresas que recorrem à chamada “compensação cruzada”, quando créditos de um tributo são usados para quitar o pagamento de outro. O órgão decidiu reforçar o grupo de auditores encarregados de checar a situação dos contribuintes que se valem desse expediente.
Estimativas da Fazenda mencionadas pelo ministro Fernando Haddad apontam que o uso indevido do recurso tributário pode chegar a R$ 25 bilhões — potencial de arrecadação com a “força-tarefa” da Receita.
Hoje, a compensação cruzada é feita por meio de um sistema de autodeclaração. O contribuinte registra o quanto possui de créditos de PIS/Cofins e o quanto desse montante será usado para pagar outros tributos, como como Imposto de Renda, por exemplo. Posteriormente, as declarações são checadas pelo Fisco. A Fazenda vem detectando, porém, um volume muito grande de fraudes e, informalmente, vem dizendo que a situação é uma “sangria desatada”.
Esses créditos são decorrentes, por exemplo, de ações judiciais, ressarcimentos e cobrança não cumulativa de impostos. O objetivo é reduzir o uso de créditos considerados indevidos pelo Fisco, em especial a utilização de PIS/Cofins no abatimento de dívidas tributárias.
O governo tentou fechar essa torneira ao editar uma medida provisória (MP) sobre o tema, em junho. A ideia era vedar a compensação cruzada de PIS/Cofins, mas houve forte reação de empresários e o Congresso decidiu devolver partes da MP, barrando a iniciativa da equipe econômica. A reclamação era de que o governo estaria tentando aumentar impostos ao proibir que um direito das empresas fosse utilizado.
Valores maiores na mira
Diante da negativa do Congresso, a Receita organizou então uma espécie de esforço concentrado para ampliar a detecção das fraudes e fazer com que o uso irregular desses créditos seja apontado com mais velocidade.
A ideia é mirar nos volumes mais elevados cadastrados no sistema e cortar o mal pela raiz: identificar o abuso antes que o recurso seja usado. Esse abuso, na visão da Receita, decorre de uma declaração a maior do que a empresa teria direito.
Uma medida proposta pela Fazenda mostra o tamanho do desafio. O governo conseguiu vedar o uso de créditos oriundos de decisões finais da Justiça para compensação de tributos. Por exemplo: quem ganhou uma ação contra o governo recebia esse valor via compensação e deixava de pagar outro tributo.
No primeiro semestre, os débitos compensados com valores relacionados a ações judiciais caíram 46,6% ante o mesmo período do ano passado.
Outros créditos, porém, “brotaram do chão”, na avaliação de um interlocutor do governo. Aumentaram as compensações por “pagamento indevido ou a maior” (19,27%), de PIS/Cofins não cumulativos (9,78%), previdenciários (61,17%) e de saldos negativos (42,95%). No total, a queda de compensações tributárias de janeiro a junho deste ano é de 5,36%.
A equipe econômica está disposta a gastar toda a munição que tiver para combater o uso indevido de compensações cruzadas. Essa é considerada uma das últimas etapas da estratégia de Haddad para recuperar receitas do orçamento. A ação soma-se a um conjunto de medidas adotadas para levar os devedores a ficarem em dia com o Fisco. São iniciativas de “autorregularização”, quando a Receita notifica o contribuinte, dá prazo para ele corrigir os problemas em vez de já multá-lo diretamente.
Nas contas da equipe econômica, somente neste ano, R$ 22 bilhões entraram nos cofres públicos a partir de medidas desse tipo, principalmente com a chamada subvenção do ICMS, quando as empresas se aproveitavam de créditos gerados pela desoneração estadual para pagar menos impostos federais.
A próxima iniciativa será relativa ao uso indevido do benefício vinculado ao Perse, programa emergencial de retomada do setor de serviços.
O programa de autorregularização será lançado nas próximas semanas e deve terminar até novembro. De janeiro a maio, o governo deixou de receber R$ 6 bilhões em impostos devido ao programa, conforme declaração das empresas beneficiadas. A estimativa é de que até o fim do ano o valor alcance ao menos R$ 13 bilhões. Metade pode estar ligada a fraudes. Em 2022, ao aprovar mudanças no programa, o Congresso limitou o Perse até 2026 ou o máximo de R$ 15 bilhões — o que ocorrer primeiro.
O programa de autorregularização incidirá sobre os anos de 2022 e 2023 também, mas a equipe econômica prefere não dar uma estimativa de arrecadação, considerando que o contribuinte pode optar por não participar. Exatamente por isso não constaram nas projeções de orçamento receitas obtidas com essas iniciativas.
Frustração com Carf
O time de Haddad espera que esses programas possam compensar, por exemplo, a frustração inicial com recursos oriundos do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) a partir de mudança legislativa sobre o voto de desempate — que voltou a ser pró-governo.
Com a alteração, o governo projetava acelerar pagamentos de dívidas e embolsar mais de R$ 50 bilhões em 2024. A projeção caiu para R$ 37,7 bilhões em julho, mas até então nenhum valor significativo entrou no caixa federal.
Atualmente, o governo projeta déficit primário (saldo negativo entre receitas e despesas, sem contas gastos com juros) de R$ 28,8 bilhões em 2024, já no limite inferior da meta fiscal deste ano.
Fonte: O Globo