Royalties de franquias na base de cálculo do ICMS/ST

Uma das temáticas que merece atenção dos holofotes no âmbito do Tribunal de Impostos e Taxas (TIT) gira em torno da possibilidade ou não de se incluir os valores cobrados a título de royalties e taxas de franquia na base de cálculo do ICMS/ST. 

Essa discussão chegou à Câmara Superior do TIT em julgamento recente, que foi bastante acirrado, em razão da votação empatada e da necessária utilização do voto de qualidade do presidente, Argos Campos Ribeiro Simões, para dirimir a controvérsia.  

Em linhas gerais, uma empresa franqueada foi autuada (AIIM 4081781-7) para pagar, na condição de responsável supletiva, o ICMS calculado sobre os valores pagos a título de royalties de franquia, incidente sobre a entrada, em seu estabelecimento, de mercadorias sujeitas ao recolhimento antecipado do imposto (ração para alimentação animal) em razão do regime de substituição tributária.  

A então Sétima Câmara Julgadora, sob a relatoria do juiz Felipe Rodegheri Manzano, foi unânime em manter acusação fiscal, com base no fundamento de que bastaria ver o contrato de franquia para concluir que os royalties seriam devidos no patamar de 32% sobre todas as compras de produtos do franqueado, não fazendo sentido a alegação de que seriam uma “taxa de serviço”, a qual estaria atrelada, por exemplo, “à realização de consultas ou visitas do franqueador ou algo do tipo”.  

Os julgadores, portanto, consideraram que os royalties sobre franquia se amoldam ao conceito de “outros encargos cobrados ou transferíveis aos contribuintes” de que trata o artigo 8º, II, “b”, da Lei Complementar 87/1996, o que implicaria a incidência do ICMS. Também mantiveram a responsabilidade supletiva, sob o fundamento de que, além de estar legalmente prevista, a empresa franqueada, mesmo intimada, não se manifestou sobre o não recolhimento do imposto pelo substituto.  

Os autos foram remetidos à Câmara Superior do TIT, para julgamento do Recurso Especial por parte da empresa autuada, sendo este conhecido apenas no tocante à incidência ou não do ICMS/ST sobre os royalties.  

E, quanto ao mérito, o relator Marco Antonio Verissimo Teixeira deu razão à Fazenda Pública.  

A linha da raciocínio adotada em seu voto iniciou com a menção de que, como a Constituição Federal, em seu artigo 146, III, “a”, outorgou a competência ao legislador complementar para definir a base de cálculo de tributos, a conhecida Lei Kandir (LC 87/96) cumpriu esse papel ao disciplinar que a base de cálculo do ICMS na saída da mercadoria é o valor da operação (artigo 13), acrescido dos valores correspondentes aos descontos condicionais e aos seguros, juros e demais importâncias, recebidas ou debitadas (artigo 13, §1º II, “a”).  

Aludido relator também pontuou que a antiga Lei de Franquias (Lei 8.955/94) definiu que o contrato de franquia se trata de um sistema em que o franqueador, mediante remuneração direta ou indireta, cede o direito de uso de uma marca ou patente, que está associado ao direito de distribuição (exclusiva ou parcialmente exclusiva) de produtos e serviços, incluindo o eventual direito de uso de tecnologia (de implementação e administração do negócio) ou sistema operacional desenvolvidos pelo franqueador.  

Complementou, ainda, que tais constatações indicam que os valores de “marketing”, “publicidade” e “royalties” pagos pelo franqueado ao franqueador dizem respeito a uma quantia previamente determinada no contrato de franquia que objetiva remunerar os serviços prestados por esse último.  

Com base em tais conceitos e a partir das informações contidas no relatório circunstanciado acostado aos autos, o relator ponderou que a empresa franqueada teria adotado um procedimento diferente do que o mero pagamento de quantia pré-determinada, uma vez que, para ele, os valores pagos a título de royalties sobre franquia estariam atrelados a ocorrência de uma operação de compra e vendas de mercadorias, o que implicaria a incidência do ICMS.   

Concluiu que seria fácil deduzir a vantagem obtida de se criar ou simular a existência de um “contrato de prestação de serviços” com objetivo fugir da incidência do ICMS, sob a premissa de que incidiria ISS, inclusive porque os royalties se encaixariam ao conceito de “outros encargos cobrados ou transferidos ao adquirente” de que trata o artigo 8º da Lei Kandir.   

É importante acentuar que esse posicionamento foi fundamentado com base na Resposta à Consulta 2904/2014, cuja conclusão adotada pela Fazenda Pública foi a de que os valores referentes aos royalties sobre franquia somente não integram a base de cálculo do ICMS se a quantia pré-determinada no contrato de franquia fosse destinada a remunerar serviços que não se confundem com a operação mercantil.  

Merece destaque o voto-vista proferido pelo juiz Carlos Americo Domeneghetti Badia, que divergiu do entendimento do relator e foi acompanhado por sete julgadores.  

No seu entendimento, a atual lei que disciplina os contratos de franquia (Lei 13.966/2019) não impõe nenhuma restrição quanto à forma de cálculo ou apuração dos royalties, pois apenas assegura que o contrato de franquia deve conter “informações claras quanto a taxas periódicas e outros valores a serem pagos pelo franqueado ao franqueador ou a terceiros por este indicados, detalhando as respectivas bases de cálculo e o que elas remuneram ou o fim a que se destinam” (artigo 2º, IX, “a”).  

Tais constatações levaram o juiz Badia a pontuar que a cobrança seria insubsistente, em razão de a cláusula cinquenta do contrato de franquia prever claramente que, durante a sua vigência, as taxas de royalties importariam o patamar de 32% sobre todas a compras de produtos efetuada pela empresa franqueada junto à franqueadora.  

Para ele, a forma de royalties pactuada contratualmente não poderia ser afastada para fundamentar a cobrança do ICMS, estando correta a conclusão adotada no caso paradigma1, que assegurou o conhecimento do recurso especial da empresa franqueada, onde foi refutada a alegação fazendária de que a previsão contratual de royalties sobre o montante das compras feitas pela franqueada desnaturaria a prestação de serviços apta à incidência de ISS.  

Cumpre esclarecer que o entendimento firmado nesse paradigma, publicado em dezembro de 2016 pela Segunda Turma Julgadora do TIT, sob relatoria de Jose Eduardo de Paula Saran, foi unânime no sentido de que o contrato de franquia apenas adotou um critério para o cálculo da remuneração dos serviços prestados pela franqueadora, e isso não modifica a natureza jurídica do serviço prestado, uma vez o que apenas se adotou pela franqueadora foi cobrar um valor que varia a partir do volume de bens adquiridos pela franqueada, ao invés de se cobrar valor fixo definido contratualmente. 

Pois bem. Em que pese o voto do juiz Badia tenha sido acompanhado por metade dos julgadores da Câmara Superior, quem ganhou a discussão foi a Fazenda Estadual, pois, como houve empate, o desempate ocorreu por voto de qualidade do presidente, que acompanhou o nobre relator.  

Sintetizados os fundamentos do julgamento, é pertinente rememorar que, em 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) fixou a tese de que “é constitucional a incidência de Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) sobre contratos de franquia” (Tema 300).  

A temática travada naquele leading case girou em torno da definição do alcance do conceito de “serviços” constitucionalmente previsto (artigo 156, III, da CF), a fim de se examinar se o legislador complementar, quando da edição da LC 116/03, observou tal conceito ao autorizar a incidência de ISS sobre contratos de franquia previsto no item 17.08 da lista anexa à referida norma.  

O voto vencedor, proferido pelo ministro relator Gilmar Mendes, elucidou que o constituinte sugeriu uma leitura ampla do termo “serviço” ao mencionar no texto constitucional que esse é de “qualquer natureza”, mas isso não significa que a tarefa dada ao legislador complementar o autoriza a disciplinar livremente sobre o tema, uma vez que há limites a serem observados para essa atividade legislativa, em especial para que o conceito de “serviços de qualquer natureza” não seja ressignificado.   

O ministro também ponderou que a matéria é complexa devido ao contrato de franquia residir em natureza híbrida, pois a legislação que disciplina essa atividade não se limita a somente uma prestação, e sim a uma variedade de obrigações que envolvem essa relação contratual. 

Pontuou, inclusive, que está mais do que claro que essa estrutura negocial é eclética por incluir tanto obrigações de dar como prestações de fazer, não se limitando a uma “mera obrigação de dar, nem à mera obrigação de fazer”, sendo constitucional a incidência do ISS sobre os contratos de franquia.  

É defensável que o STF definiu que o ISS deve incidir sobre o contrato de franquia, mas, por outros olhos, também é possível defender que, como esse precedente de caráter vinculante se limitou a apreciar a natureza dos contratos de franquia dentro do conceito de “serviços” previsto constitucionalmente e, portanto, com enfoque na incidência do ISS sobre as importâncias a título de royalties, essa temática poderá ser apreciada novamente por aquela Suprema Corte, inclusive no contexto do ICMS.

Fonte: GRUPO DE PESQUISA SOBRE JURISPRUDÊNCIA DO TIT DO NEF/FGV DIREITO SP

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