Plenário do Supremo forma maioria para validar fim do voto de qualidade no Carf

A mudança legislativa que acabou com o voto de qualidade no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, beneficiando o contribuinte em caso de empate, é uma opção legítima do Congresso, que não contraria a Constituição Federal. E a alteração não violou o devido processo legislativo, pois foi incluída na conversão em lei de medida provisória que tinha pertinência temática, pois tratava da transação em processos tributários (MP 899/2019).

Com esse entendimento, o Plenário do Supremo Tribunal Federal formou maioria, nesta quinta-feira (24/3), para negar ação direta de inconstitucionalidade contra o artigo 19-E da Lei 10.522/2002, com redação dada pela Lei 13.988/2020. O julgamento foi interrompido por pedido de vista do ministro Nunes Marques.

Até o momento, manifestaram-se pela validade da extinção do voto de qualidade no Carf os ministros Marco Aurélio (aposentado), Luís Roberto Barroso, Alexandre de Moraes, Luiz Edson Fachin, Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski.

A Lei 13.988/20 alterou o regime do voto de qualidade no Carf. Ao dar nova redação ao artigo 19-E da Lei 10.522/2002, a manifestação de desempate a favor do Fisco feita pelo presidente da turma julgadora passou a não mais ser admitida em “julgamento do processo administrativo de determinação e exigência do crédito tributário”. Assim, as controvérsias deveriam passar a ser resolvidas favoravelmente ao contribuinte.

Antes da alteração legislativa, os casos empatados no Conselho eram decididos pelo voto de qualidade, por meio do qual o presidente da turma de julgamento, sempre representante da Receita Federal, proferia o voto de minerva.

A Lei 13.988/2020 originou-se da MP 899/2019, editada pelo presidente Jair Bolsonaro com o objetivo permitir e regulamentar a transação tributária no âmbito federal.

Três ações questionam a constitucionalidade formal e material da medida. O relator do caso, ministro aposentado Marco Aurélio, votou em abril de 2021 pela inconstitucionalidade formal da Lei 13.988/2020, com o restabelecimento do voto de qualidade. Para Marco Aurélio, a lei padece de abuso do poder de emenda, pela prática do “contrabando legislativo”, popularmente conhecido como “jabuti”: a prática de, durante a fase de conversão da medida provisória em lei, dispositivos tratando de tema sem relação com a proposição original. Se vencido quanto à inconstitucionalidade formal, Marco Aurélio opinou pela validade material da norma.

O julgamento foi interrompido por pedido de vista do ministro Luís Roberto Barroso. Em seu voto, apresentado em junho de 2021, o magistrado abriu a divergência, considerando a nova norma constitucional tanto formal quanto materialmente. Barroso propôs a seguinte tese: “É constitucional a extinção do voto de qualidade do presidente das turmas julgadoras do Carf, significando o empate decisão favorável ao contribuinte. Nessa hipótese, todavia, poderá a Fazenda Pública ajuizar ação visando a restabelecer o lançamento tributário”.

A sessão de julgamento foi novamente interrompida, por pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes. Na sessão desta quinta, Alexandre votou para seguir a divergência e negar as ADIs. Segundo o magistrado, não há inconstitucionalidade formal na Lei 13.988/2020, uma vez que a extinção do voto de qualidade é matéria relacionada ao processo tributário, assim como a regulamentação da transação fiscal, objeto da MP 899/2019.

Além disso, o ministro avaliou que não há inconstitucionalidade material. “[O fim do voto de qualidade no Carf] É uma opção do legislador. Não há na Constituição exigência de que o voto de qualidade deva ser a favor do poder público ou do contribuinte. O que existe na Constituição são garantias aos contribuintes em relação a eventuais abusos e distorções do Estado. Com isso, me parece mais razoável que o empate seja a favor do contribuinte do que do Fisco, porque a Constituição prevê todo um arcabouço normativo de proteção do contribuinte.”

Embora Nunes Marques tenha pedido vista, outros ministros adiantaram seus votos. Fachin destacou que há similaridade de assuntos entre a MP 899/2019 e a Lei 13.988/2020. Portanto, a extinção do voto de qualidade não é um “jabuti”. O ministro também disse que o STF deve respeitar opções legislativas que não contrariem a Constituição.

Nessa mesma linha, Cármen Lúcia opinou que não houve fraude nem distorção no processo legislativo. E ressaltou a legitimidade da escolha dos parlamentares.

Ricardo Lewandowski declarou que, conforme a jurisprudência do Supremo, não é possível declarar a inconstitucionalidade formal de uma lei quando, para averiguar isso, a Corte tenha que ingressar em assuntos internos do Congresso (ADI 4.377 e ADC 3).

Os ministros Rosa Weber, Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Luiz Fux preferiram aguardar a apresentação do voto-vista de Nunes Marques para se posicionar, embora Toffoli e Gilmar tenham sinalizado que votarão para negar as ADIs.

O ministro André Mendonça não participa do julgamento.

Proposta de tese

Em sua proposta de tese, Luís Roberto Barroso opinou por autorizar a Fazenda Pública a ajuizar ação visando a restabelecer o lançamento tributário em caso de empate favorável ao contribuinte no Carf.

“No sistema anterior, o desempate era feito pelos presidentes das turmas, que sempre são representantes da Fazenda. Quando, no voto de qualidade, o desempate fosse contra o contribuinte, ele podia ir à Justiça questionar isso. Agora, o empate significa vitória do contribuinte. Então me parece razoável e lógico que, nesse caso, a Fazenda pudesse questionar a decisão no Judiciário. Não me parece desejável tornar imutável uma decisão do Carf dividida”, explicou Barroso.

Alexandre de Moraes discordou nesse ponto. Se o crédito tributário é extinto com a decisão do Carf a favor do contribuinte, não se pode permitir que o Fisco siga questionando-o no Judiciário, analisou.

Os ministros Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli e Gilmar Mendes seguiram a linha de Alexandre.

“O Carf integra a estrutura do Ministério da Fazenda. Se se permitisse que a Fazenda entrasse em juízo para contestar uma decisão da própria Fazenda, esta agiria de forma conflitante com sua própria decisão, querendo rever o mérito em juízo”, afirmou Lewandowski.

“O Carf é um órgão do Estado, organizado pelo Estado. Então é estranho poder ir à Justiça em caso de empate em favor de contribuintes”, concordou Gilmar.

Toffoli sugeriu uma interpretação semelhante à feita pela Corte quanto às arbitragens: de somente permitir a contestação da decisão no Judiciário em caso de vício de vontade, coação, dolo, fraude ou corrupção.

Cármen Lúcia preferiu não se posicionar quanto a esse ponto da tese proposta por Barroso. Porém, a ministra deixou claro que é possível recorrer ao Judiciário nos casos previstos em lei.

As ADIs

São três ADIs julgadas em conjunto: uma delas foi apresentada pela Procuradoria-Geral da República e defende que a lei que acabou com o voto de qualidade no Carf padece de inconstitucionalidade formal, por vício no processo legislativo. O dispositivo que alterou a lei foi incluído em uma Medida Provisória que regulamentava transações tributárias no país.

A outra, protocolada pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), alega que a medida desequilibra a paridade dos julgamentos no conselho, pois privilegia o polo privado do conselho, fere a soberania do Estado e acaba com a paridade de armas na discussão sobre uniformização jurisprudencial e controle de legalidade dos atos praticados pela autoridade fiscal.

A última delas partiu da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip) e sustenta que o fim do voto de qualidade vai acarretar perda imensurável de arrecadação para os cofres públicos. A medida implicaria, inclusive, em possível carência de recursos para o combate da epidemia do coronavírus.

De acordo com Guilherme Peloso Araujo, sócio no escritório Carvalho Borges Araujo Advogados e doutor em Direito Tributário pela USP, a decisão levará a um maior número de vitórias de contribuintes em julgamentos do conselho.

“As decisões por voto de qualidade sempre foram a esmagadora minoria das decisões do Carf, que é um tribunal de alta qualidade técnica, de maneira que os empates sempre demonstram uma real dúvida sobre a legalidade do lançamento tributário. Assim, não levar adiante a cobrança de tributo quando há fundada dúvida sobre a sua legalidade parece ser a conduta mais correta, considerando a grave restrição ao direito fundamental de propriedade que a tributação representa. Na prática, como já vem ocorrendo desde a edição da 13.988/2020, o Carf tende a ter mais posicionamentos favoráveis às posições defendidas pelos contribuintes”.

ADIs 6.399, 6.403 e 6.415

***

Fonte: Revista Consultor Jurídico

Galeria de Imagens
Outras Notícias
A isenção de IRRF de investidores não residentes em Fundos de Investimento em Participações
Carf pode demorar a aplicar decisão do STJ sobre stock options
SDI-1 vai julgar se há 'autonomia de vontade' em pejotização com salário elevado
Carf permite correção monetária de créditos de Cofins
Imunidade do ITBI em integralização de imóveis ao capital social
Aspectos tributários e contábeis do mútuo e do adiantamento para futuro aumento de capital
STJ nega contradição e mantém tese sobre tributação do stock option plan
STJ mantém IRPJ, CSLL, PIS e Cofins sobre descontos do PERT
STJ: Limite de 20 salários-mínimos e a indefinição sobre a modulação de efeitos. Embargos de Divergência da Fazenda Nacional inauguram novo debate sobre a modulação do Tema 1.079 do STJ
Carf julga desfavoravelmente à empresa caso sobre recebível de máquina de cartão
Ao insistir na falácia da equivalência patrimonial, o Brasil descumpre tratados contra a dupla tributação
STJ diverge sobre propósito negocial da empresa-veículo que gera ágio interno
ICMS-Difal não compõe a base de cálculo de PIS e Cofins, define STJ
Primeira Turma afasta IR na fonte sobre simples transferência de cotas de fundo de investimento a herdeiros
É preciso reiterar: built to suit não pode ser revisado
STJ nega restituição de ICMS-ST por distribuidora de combustível
Opinião - Tema 1.348 do STF: a imunidade do ITBI na integralização de capital social
ISS compõe base de cálculo do IRPJ e da CSLL quando apurados pelo regime do lucro presumido
Fundos de investimento, responsabilidade civil e prescrição: REsp 2.139.747/SP
Receita entende que parcela do crédito presumido de ICMS deve ser tributada pelo Imposto de Renda
Estados trocam incentivos fiscais de ICMS para empresas fugirem de tributação federal