Opinião Difal: unificação da forma de cálculo também majora a carga tributária

Assim que a Lei Complementar nº 190/22 foi publicada, no dia 5 de janeiro, teve início a controvérsia envolvendo o termo inicial da sua produção de efeitos, isto é, a partir de quando os estados efetivamente poderiam realizar a cobrança do diferencial de alíquotas de ICMS em operações interestaduais nas quais o adquirente for consumidor final.

Não somente doutrinadores e advogados tributaristas, como as próprias Secretarias de Fazenda estaduais, têm divergido sobre a interpretação de tal marco temporal.

Os representantes dos contribuintes defendem o cumprimento das anterioridades de exercício e nonagesimal, em referência às alíneas “b” e “c” do inciso III do artigo 150 da Constituição. Enquanto isso, os Fiscos estaduais têm indicado diferentes marcos iniciais para a cobrança do diferencial de alíquotas.

Até o momento, temos notícia de que Bahia e Piauí não observarão a anterioridade; os estados de Alagoas, Amazonas, Ceará, Minas Gerais, Pernambuco, Paraná, Rio Grande do Norte, Roraima, Sergipe, São Paulo e Tocantins aguardarão, ao menos, os 90 dias. Isoladamente, no estado da Paraíba, o Projeto de Lei nº 3.530/21, que prescrevia a observância à anterioridade nonagesimal, sofreu veto parcial justamente nesse ponto quando convertido na Lei nº 12.190/22.

Diante de tais incertezas, duas ADIs já foram ajuizadas, buscando diferentes provimentos com relação à Lei Complementar nº 190/22.

Em um primeiro momento, a Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq) ajuizou a ADI nº 7.066, requerendo a suspensão da eficácia da Lei Complementar n.º 190/22 até 2023, sob o argumento de que o artigo 3º da própria lei já determinaria a observância do artigo 150, III, “c”, da Constituição.

Nesse ponto, importante notar que, muito embora tal dispositivo constitucional se refira à anterioridade nonagesimal, é certo que seu texto remete à alínea “b” (que trata da anterioridade de exercício), de modo que, de acordo com os argumentos deduzidos na ADI nº 7.066, seria possível concluir pela necessidade de obediência a tais princípios.

A Abimaq ainda argumenta que no julgamento conjunto do Recurso Extraordinário nº 1.287.019/DF e da ADI nº 5.469 o STF teria destacado que a exigência do diferencial resultaria em nova relação jurídica tributária, o que conduziria à conclusão de que a cobrança implicaria nova incidência, justificando a submissão às regras de anterioridade.

Em um segundo momento, o governador do estado de Alagoas ajuizou a ADI nº 7.070, na qual, em defesa da cobrança imediata do diferencial de alíquotas, requereu a declaração de inconstitucionalidade do artigo 3º da Lei Complementar nº 190/22, assim como do §4º do artigo 24-A da Lei Kandir, sob o fundamento de que a instituição da nova relação jurídica tributária resultaria apenas em uma repartição de receitas mais equânime entre os estados.

A despeito dos argumentos expostos nas ADIs, entendemos haver um ponto relevante que não foi tratado em qualquer uma delas: a metodologia de cálculo do diferencial de alíquotas.

Antes da publicação da Lei Complementar nº 190/22, os estados praticavam dois tipos de cálculo: o de “base única” (cálculo por fora) ou o de “base dupla” (cálculo por dentro).

No primeiro, o diferencial de alíquotas resulta da aplicação, sobre o valor da operação (P), da diferença entre a alíquota interestadual (A1) e a interna do estado de destino (A2), representado pela equação Difal = P x (A2 – A1).

Era a técnica adotada pelos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Distrito Federal, Mato Grosso, Ceará, Rio Grande do Norte, Maranhão, Amapá, Roraima, Rondônia, Amazonas e Acre.

No segundo, o diferencial resulta da diferença entre o ICMS-Interestadual (ICMS1), calculado pela aplicação da alíquota interestadual (A1) sobre o valor da operação (P), e o ICMS-Interno (ICMS2), calculado pela aplicação da alíquota interna do estado de destino (A2) sobre base de cálculo (BC2) alcançada pela: 1) subtração do ICMS-Interestadual do valor da operação (BC1); e subsequente 2) inclusão do tributo na própria base. Portanto, é representado pela equação Difal = (((P – (P x A1)) / (1 – A2)) x A2) – (P x A1).

É a forma observada nos estados de Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Bahia, Pará, Piauí, Tocantins, Sergipe e Alagoas.

Veja-se que, se praticada a metodologia de “base dupla”, como o tributo é calculado por dentro na formação da segunda base de cálculo, a alíquota efetiva no cálculo do Difal claramente é mais elevada que aquela do cálculo com “base única”.

Diante disso, é fundamental perceber que o §1º do artigo 13 da Lei Kandir, alterado pela Lei Complementar nº 190/22, passou a determinar que o valor a ser recolhido a título de Difal aos estados de destino será calculado pelo método de “base dupla” em todas as operações interestaduais, o que inclusive já está regulamentado na cláusula segunda do Convênio ICMS nº 236/21.

Em outras palavras, a lei complementar unificou a cobrança pela técnica mais onerosa, promovendo uma majoração indireta do ICMS, com o alargamento da base de cálculo para aqueles estados de destino que costumavam cobrar o Difal com “base única”.

Aliás, é importante lembrar que o STF tem entendimento já consolidado no sentido de que majoração de tributo, ainda que por vias indiretas, sempre exige a observância do princípio da anterioridade, em suas duas vertentes (Recurso Extraordinário nº 564.225).

Dessa forma, entendemos que, caso seja superada a disposição expressa do artigo 3º da Lei Complementar nº 190/22, que determina o cumprimento das anterioridades, deverá ao menos ser reconhecido que a majoração é clara em relação aos estados que adotavam a metodologia de cálculo “por fora”, demandando a observância a tais princípios.

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Por Tatiana Junger, advogada, mestre e doutoranda em Direito Tributário pelo PPGD/Uerj.

João Pedro Quintanilha Rezende, advogado e especialista em Direito Tributário pelo Ibet.

Fonte: Revista Consultor Jurídico

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