Difal para consumidor final não contribuinte só valerá em 1º de abril

O ano de 2022 se aproxima e traz consigo um novo capítulo na discussão do diferencial de alíquotas do ICMS. Em 24 de fevereiro de 2021, o STF decidiu que o Estado de destino de operações e prestações interestaduais com consumidor final não contribuinte do imposto — competente para tanto por força da Emenda Constitucional 87/2015 — só pode cobrar o Difal após a disciplina da matéria por lei complementar (ADI 5.469 e RE 1.287.019). No entanto, visando a proteger os cofres estaduais, modulou os efeitos dessa decisão, determinando que só se aplique a partir de janeiro de 2022 e que retroaja apenas em favor das empresas com ações judiciais em curso na data do julgamento.

O Projeto de Lei Complementar 32/2021, que trata da matéria, foi definitivamente aprovado no dia 20 de dezembro, sendo quase certo que será sancionado ainda este ano. Como sabido, as normas referentes ao ICMS só entram em vigor após cumpridos, de forma cumulativa, dois marcos temporais contados a partir da sua publicação: a virada do ano e o intervalo de 90 dias (CF, artigo 150, inciso III, alíneas “b” e “c”). Embora a limitação não se aplique às normas gerais de Direito Tributário, mas somente às leis instituidoras de tributos, a verdade é que o artigo 3º do projeto aprovado prevê a observância da dupla anterioridade, a anual e a nonagesimal — opção política que privilegia a segurança e a previsibilidade do contribuinte, nada tendo de inconstitucional.

Por essa razão, a lei complementar não gerará efeitos imediatos sequer para os contribuintes que não foram a juízo. Em 1º de abril de 2022, quando entrará em vigor, os Estados que até 31 de dezembro de 2021 tiverem introduzido esse fato gerador em suas leis de ICMS poderão começar a tributá-lo de imediato. De fato, embora o direito brasileiro repila a constitucionalização superveniente de normas nascidas inconstitucionais, o STF entende que leis tributárias aprovadas após a emenda constitucional que as prevê, mas antes da lei complementar que deveria regulamentar esta última, são perfeitamente válidas, embora fiquem com a sua eficácia condicionada à entrada em vigor da norma geral.

Isso o que ficou decidido no RE 1.221.330, cuja tese de repercussão geral registra que “as leis estaduais editadas após a EC 33/2001 e antes da entrada em vigor da Lei Complementar 114/2002, com o propósito de impor o ICMS sobre a referida operação, são válidas, mas produzem efeitos somente a partir da vigência da LC 114/2002”. A solução, aliás, consta dos acórdãos da ADI e do RE relativos ao Difal, ambos registrando que, “em relação às respectivas leis dos Estados e do Distrito Federal” — onde elas existirem, é claro —, “a decisão deverá produzir efeitos a partir do exercício financeiro seguinte à conclusão deste julgamento (2022)”.

Por outro lado, onde acaso não exista lei estadual prevendo o diferencial de alíquotas nas vendas a consumidor final não contribuinte, não haverá alternativa à sua edição, com o devido respeito às anterioridades anual e de 90 dias.

Assim, o Difal nas vendas interestaduais a consumidor final não contribuinte se tornará indevido entre 1º de janeiro e 1º de abril de 2022. Estando respaldada em decisão tomada em ação direta de inconstitucionalidade, dotada de eficácia universal, a suspensão dos pagamentos poderá fazer-se de forma unilateral, sem qualquer medida administrativa ou judicial por parte do sujeito passivo. Situação parecida ocorreu quanto à exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins: o STF concluiu o julgamento em 13.05.2021, mas limitou os efeitos da inconstitucionalidade ao período posterior a 15.03.2017, ressalvadas as ações ajuizadas até essa data. Com isso, as empresas que não tinham ido a juízo puderam compensar o PIS/Cofins pagos em excesso desde março de 2017 mediante simples retificação de suas obrigações acessórias, providência que foi ratificada pela PGFN no Parecer SEI 7.698/2021 – uma notável mudança de atitude da União que esperamos ver seguida pelos Estados.

A modulação tornou-se moeda corrente nos julgamentos tributários do STF, quase sempre favorecendo o Poder Público, mesmo quando indevida, e nunca protegendo o particular, mesmo quando cabível. Embora a culpa pela falta da lei complementar não seja dos Estados (de resto, não totalmente inocentes, pois poderiam ter mobilizado as suas bancadas no Congresso Nacional), ela é menos ainda dos contribuintes, em cujas mãos a corda acabou arrebentando. Mesmo com dez meses de aviso prévio, o Poder Público se moveu a passos de tartaruga. Que pague pelo menos o preço do seu desinteresse.

Por Igor Mauler Santiago e Luan Moreira

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Fonte: Tributario.com.br

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