O Superior Tribunal de Justiça tem nas mãos uma oportunidade de corrigir os efeitos de uma decisão que, em vez de pacificar, acentuou a insegurança jurídica no campo tributário. A modulação dos efeitos do Tema 1.079/STJ, tal como fixada, acabou criando distorções que ferem o princípio da isonomia e alimentam ainda mais litígios sobre uma controvérsia que já deveria estar superada.
Ao analisar os embargos divergentes da Fazenda Nacional (REsp 1.898.532 e REsp 1.905.870), caberá ao tribunal rever uma solução que, na prática, trouxe mais incertezas do que respostas, comprometendo a confiança dos contribuintes e a própria credibilidade do sistema judicial.
A discussão envolve a suposta existência de um teto de 20 salários-mínimos para as contribuições parafiscais arrecadadas por entidades do Sistema S e que incidem sobre a folha de salário das empresas. Previsto originalmente na Lei 6.950/81 (artigo 4º), o teto corresponderia a um montante de R$ 30.360 em valores atuais. Acontece que o Decreto-Lei 2.318/86 (artigo 3º) afastou o limite em relação “às contribuições da empresa para a previdência social”. A partir daí surgiu a dúvida: a revogação alcançaria também as contribuições destinadas ao Sistema S ou apenas aquelas vinculadas à Previdência Social?
Ao longo dos anos, com base no artigo 3º do Decreto-Lei 2.318/86, o STJ consolidou o entendimento de que a revogação do teto abarcaria apenas as contribuições previdenciárias, de modo que as destinadas ao Sistema S estariam limitadas ao teto de 20 salários-mínimos. Esse entendimento, porém, gerou uma dupla insegurança: do lado dos integrantes do Sistema S, pela queda brusca de arrecadação; e do lado dos contribuintes, pela incerteza de terem que arcar com os custos de uma cobrança retroativa.
Para resolver a divergência, o STJ afetou a controvérsia como Tema 1.079, sob a sistemática da repercussão geral, e concluiu que a revogação do teto também abarcaria as contribuições destinadas ao sistema S, apesar dos precedentes do próprio tribunal em sentido contrário.
Catástrofe
O problema surgiu com a modulação dos efeitos adotada. Replicando uma lógica mais comum no STF, que usualmente adota a data de julgamento como critério temporal, o STJ criou dois critérios cumulativos para resguardar os contribuintes do pagamento retroativo ao Sistema S: ajuizamento de ação judicial (ou recurso administrativo) até 25/10/2023 (data de início do julgamento do Tema 1.079/STJ); e obtenção de decisão favorável até 2/5/2024 (publicação do acórdão). O argumento do STJ foi a existência de jurisprudência dominante sobre o tema.
A modulação cumulativa mostrou-se injusta e ineficaz. Contribuintes em situações idênticas passaram a receber tratamentos completamente distintos, afrontando o princípio da isonomia. A exigência de decisão favorável em prazo tão curto transformou em loteria a aplicação da decisão: empresas que já haviam acionado o Judiciário ficaram de fora apenas porque seus processos não avançaram entre o ajuizamento da ação e a obtenção de uma decisão favorável.
O resultado é catastrófico. Em vez de trazer estabilidade, a modulação estimulou novos litígios, agora voltados a discutir o próprio alcance da decisão do STJ. Afinal, De fato, não há no ordenamento jurídico um conceito do que seria jurisprudência dominante. Do que se extrai da doutrina e dos dispositivos do Código de Processo Civil, jurisprudência dominante seria aquela que vincularia os órgãos do Poder Judiciário, como é o caso das questões tratadas em sede repercussão geral (STF) ou em recurso repetitivo (STJ).
É nesse ponto que os embargos divergentes apresentados pela Fazenda Nacional ganham relevância. A atual decisão é dúbia, gera discussão sobre princípios constitucionais e ocupa o Poder Judiciário com controvérsias que já deveria estar encerradas há mais de um ano.
O STJ agora terá a chance de fixar uma modulação de efeitos que, efetivamente, traga maior segurança jurídica aos contribuintes, eliminando brechas para questionamentos sobre o seu alcance ou mesmo dúvidas em relação à institutos jurídicos. Será um passo necessário para trazer previsibilidade e restaurar a confiança no sistema jurídico-tributário.
Por Douglas Guilherme Filho
Fonte: CONJUR