Por Pedro Henrique Magalhães
Yara Soares Oliveira
A 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça determinou, por unanimidade, a existência de vício no voto dos sócios-administradores que participaram das deliberações de assembleia-geral relativas à aprovação de suas próprias contas enquanto gestores de uma companhia.
A ação de responsabilidade civil foi iniciada por acionistas minoritários para questionar prejuízos milionários decorrentes da venda de um imóvel por um valor muito abaixo do seu valor de mercado. Insatisfeitos, esses acionistas submeteram à apreciação da assembleia-geral a proposta de processar os sócios-administradores da companhia para investigar os prejuízos sofridos e buscar a indenização correspondente ao ato.
Como desfecho da reunião, essa medida se mostrou infrutífera devido à consideração das vontades desses administradores, os quais haviam transferido suas participações para uma pessoa jurídica própria pouco antes da votação crítica e, como representantes dessa entidade, asseguraram suas vontades pessoais na assembleia.
Responsabilidade dos Sócios Administradores
Segundo a Lei das Sociedades Anônimas (LSA) [1], as condutas dos administradores de uma empresa estão devidamente amparadas pelas atribuições legais e estatutárias pelas quais tais figuras estão investidas; devendo elas sempre agir de modo a atender aos fins e aos interesses da companhia, sem desrespeitar pessoas, comunidades, ecossistemas e semelhantes.
Dentre os poderes-deveres de um administrador, a diligência é um atributo exigido por lei [2], sendo necessário que um gestor zele por um negócio como se exclusivamente seu fosse — o que enseja necessária prudência, lealdade à companhia, transparência e afins.
Não suficiente, o mesmo diploma legal também dispõe que o administrador deve responder pelos prejuízos decorrentes de suas próprias condutas; sendo tal figura devidamente responsabilizada pelos prejuízos que ocasionar quando agir com uma intenção lesiva e/ou quando desrespeitar as leis vigentes ou o estatuto da empresa [3].
Assim, nada mais cabível do que a cobrança judicial pela falta de probidade e prudência de tais gestores no que tange ao caso apresentado.
LSA prevalece sobre o Código Civil
Para a 4ª Turma do STJ, a LSA deve sobressair nas relações de esfera intrassocietária — ou seja, entre os próprios acionistas ou entre acionistas e empresa —, restando ao Código Civil o dever de disciplinar as situações cujos efeitos prejudiquem principalmente pessoas externas a tais vínculos.
Segundo o ministro Antônio Carlos Ferreira, então relator do caso no STJ, existe uma evidente incompatibilidade entre o artigo 286 da LSA [4] e os tópicos do Código Civil que abordam as nulidades dos negócios jurídicos; uma vez que estes determinam a necessidade de valoração de um vício na deliberação para que se possa definir uma sanção e aquele enseja uma necessária anulabilidade.
No entanto, para além das diversas interpretações doutrinárias sobre o tema, tem-se que a especificidade inerente à LSA faz com que suas normas se sobreponham às generalidades apresentadas pelo Código Civil; devendo estas serem sempre suscitadas com máxima cautela, apenas diante omissões, incompletudes e semelhantes.
Fraude em votação de assembleia: anulabilidade de deliberação
Aos olhos do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), âmbito de origem da questão, o caso em tela implicaria na nulidade da assembleia mencionada, pois a própria LSA proíbe a participação ativa de um administrador em face da deliberação que envolve a aprovação de suas próprias contas [5].
Diante da análise realizada pelo TJ-SP, que é o órgão de origem da questão em discussão, fica evidente a importância de se observar os preceitos legais e éticos que regem a participação dos administradores em deliberações que envolvam a aprovação de suas próprias contas. A Lei das Sociedades por Ações (LSA) proíbe expressamente essa atuação ativa, visando garantir a imparcialidade e a transparência nas decisões corporativas.
Ao refinar o posicionamento inicialmente adotado pelo TJ-SP, o ministro relator ressaltou a anulabilidade da deliberação em questão. Isso significa que, embora a assembleia não seja considerada nula de forma automática, sua validade pode ser questionada judicialmente, permitindo que seja anulada mediante decisão judicial. Essa distinção é crucial, pois demonstra que o ato em si não é completamente desprovido de efeitos jurídicos práticos, mas sim sujeito a questionamentos e impugnações legais.
Diante desse contexto, a alternativa viável e eficaz para corrigir o vício apontado é a realização de uma nova assembleia, na qual o administrador envolvido não participe da votação referente à aprovação de suas próprias contas. Essa medida não apenas respeita os princípios legais estabelecidos pela LSA, mas também reforça a integridade e a legitimidade das decisões corporativas.
Conclui-se que a decisão do TJ-SP e o refinamento do posicionamento pelo ministro relator destacam a importância do cumprimento das normas legais e éticas no ambiente corporativo. A possibilidade de questionar e anular deliberações que violem esses preceitos é fundamental para assegurar a governança adequada das empresas e proteger os interesses dos acionistas. A realização de uma nova assembleia, livre do voto do administrador envolvido, representa uma solução pragmática e eficiente para corrigir o vício identificado, fortalecendo a credibilidade e a confiança no sistema jurídico e empresarial.
REsp 2.095.475/SP
[1] Art. 154, caput, da LSA (Lei 6.404/1976): “o administrador deve exercer as atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem para lograr os fins e no interesse da companhia, satisfeitas as exigências do bem público e da função social da empresa“.
[2] Art. 153 da LSA (Lei 6.404/1976): “O administrador da companhia deve empregar, no exercício de suas funções, o cuidado e diligência que todo homem probo costuma empregar na administração dos seus próprios negócios”.
[3] Art. 158, I e II, da LSA (Lei 6.404/1976): “O administrador não é pessoalmente responsável pelas obrigações que contrair em nome da sociedade e em virtude de ato regular de gestão; responde, porém, civilmente, pelos prejuízos que causar, quando proceder:
I – dentro de suas atribuições ou poderes, com culpa ou dolo;
II – com violação da lei ou do estatuto“.
[4] Art. 128 da LSA (Lei 6.404/1976): “Os trabalhos da assembleia serão dirigidos por mesa composta, salvo disposição diversa do estatuto, de presidente e secretário, escolhidos pelos acionistas presentes”.
[5] Art. 115, § 1º, da LSA (Lei 6.404/1976): “O acionista deve exercer o direito a voto no interesse da companhia; considerar-se-á abusivo o voto exercido com o fim de causar dano à companhia ou a outros acionistas, ou de obter, para si ou para outrem, vantagem a que não faz jus e de que resulte, ou possa resultar, prejuízo para a companhia ou para outros acionistas.
§1º o acionista não poderá votar nas deliberações da assembleia-geral relativas ao laudo de avaliação de bens com que concorrer para a formação do capital social e à aprovação de suas contas como administrador, nem em quaisquer outras que puderem beneficiá-lo de modo particular, ou em que tiver interesse conflitante com o da companhia.”
Fonte: Conjur