Caberá ao legislador, ao Judiciário e às entidades sindicais estabelecerem marco normativo que respeite liberdade contratual
O dinamismo da sociedade contemporânea e as transformações constantes nas relações interpessoais exigem a criação de neologismos para nomear fenômenos que, inicialmente estranhos ao vocabulário tradicional, tornam-se parte do cotidiano das pessoas e, por consequência, do próprio ordenamento jurídico.
Antes relegados ao plano informal, pouco abordado por juristas, economistas ou sociólogos, termos como “pejotização” ganham hoje centralidade no debate jurídico e social, justamente porque o direito, enquanto instrumento regulador da vida em sociedade, não pode se manter alheio a essas mudanças.
A pejotização pode ser compreendida como a prática crescente de contratação de pessoas físicas por meio da constituição de pessoas jurídicas, com vista à prestação de serviços.
Este fenômeno, intensificado pela estagnação econômica, altos índices de desemprego e o incentivo à autonomia profissional, encontrou respaldo na promulgação da Lei 13.874/2019, que instituiu a Declaração dos Direitos da Liberdade Econômica.
A norma, ao buscar desburocratizar o empreendedorismo e reduzir a intervenção estatal nas relações econômicas, abriu margem para a ampliação de formas contratuais mais flexíveis e adaptadas à realidade do mercado.
Todavia, o aumento exponencial de demandas judiciais sobre o tema evidenciou a fragilidade do atual arcabouço normativo e levou o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, a determinar a suspensão nacional dos processos que discutem a licitude da contratação de autônomos ou pessoas jurídicas para prestação de serviços, em clara demonstração da urgência em se pacificar a controvérsia.
A prática é amplamente disseminada em diversos setores da economia, como representação comercial, saúde, tecnologia da informação, entre outros.
A transformação de trabalhadores em pessoas jurídicas – seja em atividades-meio ou atividades-fim – suscitou dúvidas quanto à legalidade dessas contratações, especialmente quando presentes os quatro requisitos do vínculo empregatício previstos no artigo 3º da CLT: habitualidade, pessoalidade, onerosidade e subordinação. Nesses casos, é comum que a Justiça do Trabalho seja acionada para verificar se houve fraude na contratação e se há, de fato, relação de emprego disfarçada.
Diante da relevância e da complexidade do tema, o plenário do STF reconheceu a repercussão geral no Recurso Extraordinário com Agravo (ARE 1532603 – Tema 1389), o que representa um avanço institucional. A Corte analisará não apenas a validade dessas formas de contratação, mas também a competência da Justiça do Trabalho para julgar tais casos e a quem cabe o ônus da prova: ao trabalhador ou à empresa contratante.
Importa destacar que a ausência de exclusividade, embora não seja requisito para a caracterização do vínculo de emprego, pode vir a ser um elemento central na construção de critérios objetivos para a legalidade da pejotização. Esse aspecto pode, inclusive, servir para balizar a atuação empresarial dentro da legalidade, conferindo maior previsibilidade e segurança jurídica às relações contratuais.
Benefícios da regulamentação para as empresas
A regulamentação clara e objetiva da pejotização pode representar um importante avanço para o ambiente de negócios no Brasil. Para as empresas, a existência de parâmetros legais bem definidos proporciona:
• Segurança jurídica, evitando litígios trabalhistas e permitindo um planejamento mais assertivo de recursos humanos;
• Redução de custos com passivos trabalhistas, ao mitigar riscos de condenações judiciais decorrentes de contratações irregulares;
• Estímulo à inovação e à flexibilidade contratual, fatores fundamentais para a competitividade em um mercado cada vez mais dinâmico;
• Fortalecimento do diálogo com trabalhadores autônomos e prestadores de serviço, especialmente por meio de negociações coletivas, as quais podem estabelecer critérios claros de atuação, garantias mínimas e boas práticas de contratação.
Neste cenário, as negociações coletivas ganham papel estratégico. Por meio de convenções e acordos coletivos, é possível pactuar condições que respeitem a autonomia contratual das partes sem abrir mão da proteção jurídica e da dignidade do trabalhador.
A previsão de critérios mínimos para a pejotização em instrumentos normativos coletivos pode contribuir significativamente para o fortalecimento institucional das relações de trabalho, equilibrando os interesses de empregadores e dos profissionais contratados como pessoas jurídicas.
A decisão do STF sobre a matéria, qualquer que seja seu desfecho, terá impactos profundos nas relações de trabalho. Se por um lado há o risco de um dumping social – com a precarização das condições laborais –, o outro abre a oportunidade de se consolidar um novo paradigma de contratações, mais alinhado com as transformações da economia moderna.
Caberá ao legislador, ao Judiciário e às entidades sindicais estabelecerem um marco normativo que respeite a liberdade contratual, promova a dignidade do trabalho e, sobretudo, traga estabilidade e previsibilidade ao setor produtivo.
Por Carlos Américo Freitas Pinho
Fonte: JOTA