Está em análise perante o Supremo Tribunal Federal (STF) questão bastante relevante para a disciplina do Direito Tributário Internacional: a possibilidade de tratados assinados pelo Brasil afastarem a tributação, pelo país, de lucros verificados por empresas coligadas e controladas no exterior. Abordaremos este assunto no presente artigo, acompanhe.
Qual a origem da discussão?
O STF está analisando, nos autos do Recurso Extraordinário (RE) nº 870214, se os tratados internacionais para evitar a bitributação assinado pelo Brasil e outros países pode afastar a tributação, no Brasil, de lucros auferidos por empresas coligadas ou controladas localizadas no exterior.
Este tema foi discutido pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) em 2022, e, na época, fizemos um conteúdo sobre o assunto (lei aqui: CARF julga aplicação do art. 7º dos Tratados para evitar dupla tributação).
Os tratados para evitar a dupla tributação são acordos internacionais que estabelecem competências tributárias de cada jurisdição, e segue, em regra, modelos estabelecidos pela OCDE ou pela ONU.
O art. 7º deste tipo de tratado costuma prever, como regra, que os lucros auferidos por uma empresa em um Estado-parte do tratado são tributados somente por este Estado. O outro Estado não teria competência para tributar empresas localizadas no exterior, mesmo que elas sejam controladas ou coligadas por empresa localizada no outro Estado.
Por outro lado, a Medida Provisória nº 2.158-35/2001 (“MP 2.158/2001”), especialmente seu art. 74, determinava que os lucros das empresas controladas no exterior seriam tributados do Brasil a partir apuração em balanço do lucro da empresa controlada.
Nesse contexto, os contribuintes entendiam que, em relação aos países que tivessem tratado assinado com o Brasil para evitar a bitributação, o art. 7º do tratado deveria impedir que o Brasil tributasse os lucros de empresas controladas no exterior, ou seja, impedindo a incidência do art. 74 da MP 2.158/2001. Já o fisco defendia a aplicação do art. 74 independentemente da aplicação do art. 7º, pois a grandeza tributada não era o lucro no exterior, mas sim a valorização do investimento percebida no Brasil em decorrência desse lucro.
O mencionado art. 74 foi objeto de Ação Declaratória de Inconstitucionalidade nº 2.588, tendo o STF decidido que ele não se aplica às empresas “coligadas” localizadas em países sem tributação favorecida (não “paraísos fiscais”), e que o referido dispositivo se aplica às empresas “controladas” localizadas em países de tributação favorecida ou desprovidos de controles societários e fiscais adequados (“paraísos fiscais”, assim definidos em lei). No entanto, essa discussão não adentrou à aplicabilidade do referido dispositivo nos casos em que a controlada estivesse localizada em países com o qual o Brasil mantém tratado para evitar a dupla tributação.
É justamente esse ponto que está atualmente sob análise do STF, se o art. 7º dos tratados firmados pelo Brasil impede a aplicação do art. 74 da MP 2.158/2001.
Vale dizer que o referido art. 74 da MP 2.158/2001 foi revogado pela Lei nº 12.973/2014. Apesar disso, o período em discussão no STF se refere ao momento em que esse artigo ainda vigia.
Também é de se destacar que os artigos 76 e 77 da Lei nº 12.973/2014 restabeleceram a tributação dos lucros no exterior, mas dispuseram que sua incidência se daria sobre a parcela do ajuste do valor do investimento em controlada domiciliada no exterior equivalente aos lucros por ela auferidos. Ou seja, a nova lei estabeleceu a tributação não dos lucros das empresas controladas localizadas no exterior, o que estaria vedado pelo artigo 7º dos tratados, mas sim do ajuste do valor do investimento realizado pela controladora brasileira, alinhando a redação do dispositivo legal com a tese das autoridades fiscais para defender a incidência mesmo em países com Tratado. Como se observa, portanto, após a edição da Lei nº 12.973/2014, a questão ganha uma nova camada de complexidade que não está sendo atualmente analisada pelo STF.
Qual o posicionamento da jurisprudência sobre o assunto?
Como já mencionamos no artigo publicado em 2022 a respeito da jurisprudência administrativa, ainda não há uma posição que se possa dizer definitiva, tendo havido momentos em que o CARF foi mais favorável à tese do fisco e momentos em que deu ganho aos contribuintes sobre o tema.
No que diz respeito aos precedentes judiciais, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) possui diversos julgados favoráveis aos contribuintes, ou seja, afastando a tributação, pelo Brasil, de lucros auferidos por controladas localizadas no exterior.
Em importante precedente, o REsp n. 1.325.709/RJ, o STJ havia afirmado que as disposições dos Tratados Internacionais Tributários prevalecem sobre as normas de Direito Interno, em razão da sua especificidade, conforme disposto no art. 98 do Código Tributário Nacional (CTN). Esse é o mesmo processo atualmente analisado pelo STF, já que o Fisco recorreu daquela decisão.
Para o STJ, então, considerando-se que o artigo 7º dos Tratados internacionais prevê que os lucros de uma empresa são somente tributáveis no país desta empresa, a sistemática adotada pela legislação fiscal brasileira de adicioná-los ao lucro da empresa controladora localizada no país feriria os Pactos Internacionais Tributários, inclusive infringindo o princípio da boa-fé nas relações exteriores.
Como está o julgamento no STF?
O relator do caso, Ministro André Mendonça (Relator), havia proferido voto favorável aos contribuintes, ou seja, no sentido de que o os tratados internacionais para evitar a bitributação assinados pelo Brasil deveriam ser respeitados, não sendo possível afastar-se a regra prevista no artigo 7º dos mencionados tratados.
Recentemente, porém, o Ministro Gilmar Mendes proferiu voto-vista divergindo do relator e reconhecendo a possibilidade de computar como acréscimo patrimonial positivo da empresa controladora localizada no Brasil os lucros auferidos por suas empresas controladas com sede na Bélgica, Dinamarca e Luxemburgo. Depois disso, o Ministro Alexandre de Morais pediu vista.
Diante deste cenário, e considerando-se que, como visto, o assunto ainda é bastante controverso, será necessário aguardar-se o posicionamento final do STF para que as empresas possam ter certeza em relação à tributação, ou não, dos lucros de coligadas localizadas no exterior.
Fonte: TAXCEL